Falando sob anonimato, por receio de represálias, dois membros da Guarda Nacional Republicana (GNR) vieram desde a Margem Sul para dar corpo e rosto à revolta. O mais novo, de 39 anos e com 13 de serviço, queixa-se de que já devia ter sido promovido há quatro anos e de estar a perder 120 euros todos os meses; o mais velho, de 45 anos e 26 de serviço, lamenta o baixo salário e as restrições que existem a um negócio ou um part-time.
“O Governo não tem vontade de mudar. Ladrar não dói, então deixam-nos fazer barulho, porque sabem que não vamos parar de trabalhar”, nota o guarda mais jovem, enquanto o mais velho, já na categoria de cabo, assinala a “boa vontade das fileiras” e aponta ao Governo: “É tudo política. Este governo de gestão tinha plenos poderes para resolver isto”.
Na base da contestação, que começou com a iniciativa espontânea de um agente da PSP diante da Assembleia da República há duas semanas, está a atribuição à Polícia Judiciária (PJ) de um suplemento de missão, que, em alguns casos pode levar a um aumento de 700 euros mensais, acentuando dessa forma o fosso financeiro entre forças de segurança.
O guarda conta à Lusa que leva para casa 1.100 euros ‘limpos’, com subsídios incluídos e sem os ‘gratificados’, após 13 anos ao serviço da GNR, ao passo que o cabo aufere cerca de 1.200 euros líquidos. Em comum, além dos salários aquém da responsabilidade que lembram ter, trazem histórias de dificuldades familiares, muitas delas causadas pelo trabalho.
“Tenho dois filhos. O meu último relacionamento falhou devido aos horários que tenho e a não estar em casa. Com o serviço de oito horas e depois mais quatro horas de gratificados… a mulher cansou-se. Só consigo com a ajuda dos meus pais, senão tinha de pôr horário flexível, mas depois perdia os subsídios. Encostam-me à parede: ou estou em casa e não tenho dinheiro para os alimentar, ou tenho dinheiro para os alimentar e não estou com eles. E prejudiquei-me no serviço por a cabeça não estar bem”, revela o guarda de 39 anos.
Já o cabo, de 45 anos, sublinha ter cinco filhos e que já vai no terceiro casamento, brincando que o amigo “também lá chegará”. Lamenta que para a GNR as “obrigações são todas e os direitos são zero”, denunciando ainda uma “caça às bruxas” por causa das baixas médicas.
“Veio um autocarro de Setúbal recolher-nos para nos levar ao centro clínico para perceber se as baixas eram verdadeiras ou se havia alguma forma de as reverter. Quando o nosso comandante-geral disse que não existiria caça às bruxas… Afinal há caça às bruxas”, refere.
Com o render da guarda no Palácio de Belém, ecoou o hino, os polícias – que não estavam fardados, mas que vinham quase todos vestidos de preto - ergueram as bandeiras portuguesas e cantaram bem alto, na sua grande maioria homens, mas também com algumas mulheres presentes na iniciativa convocada nas redes sociais.
Uma dessas mulheres diz à Lusa ser agente da PSP há 23 anos na zona de Lisboa. Com 47 anos e dois filhos, sem querer revelar a identidade, assume que “falta mês ao salário” e que leva para casa aproximadamente 1.400 euros enquanto agente principal, mas não esquece os 14 anos na categoria de agente com um ordenado base de cerca de 850 euros.
“É fundamental a subida do salário e o suplemento de missão para ter um salário digno e dar uma vida digna à família. Tive e tenho de sacrificar a família por um salário digno”, reitera.
Considerando que as respostas podem e devem ser encontradas ainda pelo Governo de gestão, a agente vinca que a autorização do suplemento de missão para a PJ já surgiu nesse período e que a união entre elementos da PSP, da GNR e do corpo da guarda prisional está para durar.
“Estamos a aderir em força em todo o território e penso que vamos conseguir os nossos objetivos. Não vamos desistir, não vamos baixar a guarda. O Governo tem de reparar a situação. Não estamos à espera do próximo, até porque foi este Governo que promoveu a desigualdade”, explica.
O protesto de hoje era em Belém, mas de Coimbra veio um cabo de 52 anos e 28 anos de serviço na GNR. À Lusa, enaltece, também sob anonimato, a união das forças de segurança contra “migalhas” e exige “dignidade, respeito e valorização” para estes profissionais, que diz só poder passar pela equiparação integral ao suplemento de missão atribuído à PJ.
“Não somos polícias de terceira nem mão de obra barata. Queremos aquilo a que temos direito. Este governo esteve oito anos para resolver os nossos problemas e nunca quis saber de nós”, indica o cabo da GNR, que destaca ainda as “excecionais demonstrações de carinho e afeto por parte da população”.
Com uma bandeira nas mãos e acompanhado pela mulher, deixou os dois filhos – jovens adultos – em Coimbra para não deixar esmorecer a contestação das forças de segurança, com a instalação “do cansaço, da descrença e da desmotivação” ao fim de algum tempo, mas rejeita quaisquer excessos nos protestos.
“A violência não nos passa pela cabeça, está fora de questão. Sabemos que interessa a muita gente que nós demos um passo em falso para depois acabarem com as nossas reivindicações, mas estamos unidos. Demore o tempo que demorar, não arredaremos pé até que a situação seja resolvida. A razão está do nosso lado”, conclui.
*Por João Godinho, da agência Lusa
Comentários