
O ator Adérito Lopes, da companhia de teatro A Barraca, foi agredido na terça-feira à noite por um grupo de extrema-direita, em Lisboa, quando entrava para um espetáculo com entrada livre de homenagem a Camões.
O que aconteceu?
A diretora da companhia, Maria do Céu Guerra, disse em declarações à Lusa que, por volta das 20h00, estavam os atores a chegar ao Cinearte, no Largo de Santos, quando se cruzaram à porta “com um grupo de neonazis com cartazes, programas”, com várias frases xenófobas, que começaram por provocar uma das atrizes.
“Entretanto, os outros atores estavam a chegar. Dois foram provocados e um terceiro foi agredido violentamente, ficou com um olho ferido, um grande corte na cara”, afirmou a também encenadora, de 82 anos, que disse que o ator em causa teve de receber tratamento hospitalar.
Fonte da PSP adiantou à Lusa que foi chamada pelas 20h15 ao Largo de Santos por “haver notícia de agressões”, onde foi contactada por um homem de 45 anos, que “informou que, ao sair da sua viatura pessoal, foi agredido por um indivíduo”.
A PSP, com as características do eventual suspeito fornecidas pelo ofendido e por um seu amigo, encetou várias diligências nas ruas adjacentes ao Largo de Santos, tendo sido possível localizar e intercetar um homem com 20 anos, suspeito de ser o autor da agressão.
A PSP identificou os intervenientes neste caso - suspeito, ofendido e testemunha - e vai comunicar todos os factos apurados ao Ministério Público.
Segundo o jornal Expresso, o grupo extremista "Blood & Honour" poderá ser responsável pela agressão a Adérito Lopes. O ataque terá sido feito em conjunto com o grupo "Portugueses Primeiro", segundo revelou uma fonte à SIC Notícias.
Quais as reações ao caso?
- Presidente da República
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condenou o ataque contra A Barraca e, numa conversa telefónica com Maria do Céu Guerra, transmitiu solidariedade a todos os atores desta companhia de teatro.
Marcelo Rebelo de Sousa "sublinhou, em particular, que em democracia há e tem de haver liberdade de pensar e exprimir o pensamento, de forma plural e sem censuras".
"Essa liberdade e esse pluralismo não podem ser calados, nem sovados, por quem discorda. Vivemos em democracia e não queremos voltar a viver em ditadura", acrescenta-se, na mesma nota da Presidência da República.
- Mariana Mortágua, BE
“Os neofascistas atacam os livros, o teatro e quem faz a cultura. Fazem-no porque acham que podem. O Governo do PSD retirou do relatório de segurança interna a ameaça da extrema-direita. É o maior risco à nossa democracia. Solidariedade com o teatro d’A Barraca. Vamos à luta”, escreveu a deputada única do Bloco de Esquerda na rede social X.
- Isabel Mendes Lopes, Livre
A agressão "não pode ficar impune". "O aumento da violência e do discurso de ódio é para levar muito a sério".
- António Filipe, PCP
O deputado mostrou “solidariedade total” para com o ator agredido: “É urgente acabar com a impunidade destas associações criminosas (as tais que o Governo apagou do Relatório de Segurança Interna)”.
- PAN
O PAN apresentou hoje, na Assembleia da República, um voto de condenação das agressões a um ator da companhia de teatro "A Barraca" por um grupo de extrema-direita, que classificou como um “gesto de grave violência, intolerância e ódio”.
“Este incidente representa um gesto de grave violência, intolerância e ódio que não é admissível num Estado de Direito Democrático e que infringe frontalmente os nossos valores constitucionais mais básicos, nomeadamente a liberdade de expressão, o direito à fruição e criação cultural e a liberdade de criação cultural”, refere o projeto de voto divulgado pelo partido.
- Margarida Balseiro Lopes, ministra da Cultura, Juventude e Desporto
“A Cultura é um lugar de liberdade, nunca de medo. Repudio a agressão cobarde de que foram alvo os atores da companhia A Barraca”, disse. “Este ataque é um atentado contra a liberdade de expressão, contra o direito à criação, contra os valores democráticos que nos definem enquanto país. A Cultura não se intimida. Não recua. E não aceita ódio travestido de discurso político”.
- Marques Mendes
O candidato presidencial Luís Marques Mendes considerou hoje “absolutamente inadmissível” o ataque e defendeu que toda a "violência tem de ser condenada e sancionada pelos tribunais".
- Casa do Artista
Em comunicado, a direção da Casa do Artista condenou “veementemente o ato de violência de que foram alvo os atores da Companhia A Barraca”, sublinhando a “total solidariedade” para com o ator agredido e para com os demais membros da companhia teatral.
A Casa do Artista reafirma a sua “firme defesa dos valores da democracia, do respeito e da dignidade humana bem como o [seu] compromisso com a dignidade e a segurança de todos os artistas”.
- SOS Racismo
Em comunicado enviado hoje às redações, a associação disse estar “ao lado das pessoas que sofrem na pele a violência de grupos organizados de extrema-direita, sobretudo imigrantes e pessoas racializadas” e pediu aos responsáveis políticos - Governo, Presidente da República e presidente da Assembleia da República - que condenem agressões e discurso de ódio motivado pelo preconceito e que tomem medidas.
Ao Ministério da Administração Interna, o SOS Racismo solicitou uma intervenção rápida, “garantindo a proteção policial necessária para salvaguardar as pessoas” e, ao Ministério Público, o coletivo pediu rápida detenção dos autores das agressões e um julgamento célere.
- Teatro Nacional D. Maria
O Teatro D. Maria II, "enquanto instituição artística, e perante o recrudescimento de ameaças à liberdade de expressão, […] condena todas as formas de violência e tentativas de condicionamento dos direitos culturais de todas as pessoas e continuará a trabalhar comprometidamente na defesa da liberdade de criação e participação cultural como valor fundamental de uma sociedade democrática", lê-se na página oficial do teatro nacional.
- ACTA - A Companhia de Teatro do Algarve
A companhia também reagiu, expressando "solidariedade para com A Barraca Teatro, em particular com o ator Adérito Lopes, brutalmente agredido num ato cobarde de violência de cariz neonazi".
"É urgente travar a propagação do ódio e pôr fim às narrativas extremistas que ameaçam a liberdade, a arte e a dignidade humana", apela A Companhia de Teatro do Algarve.
- Federação Portuguesa de Teatro
Condena"o ato de violência de que foram alvo os atores de A Barraca Teatro", expressando solidariedade.
- Escola profissional Instituto para o Desenvolvimento Social (IDS),
A escola, a cujo corpo docente pertence o ator Adérito Lopes, coordenador do curso de Ator/Atriz, publicou na rede social Instagram que "repudia a vil agressão cometida sobre o seu professor".
"O nosso docente, vítima de um grupo de criminosos motivados pelo ódio e pela violência, partilha os valores universais que o levaram, há quase uma década, a juntar-se ao IDS, por saber que, nesta Casa, a defesa dos valores humanistas, como a educação, a liberdade, a paz, a justiça, o respeito pelo outro, é parte integrante da nossa missão como Escola."
E agora?
Concentrações em solidariedade com o ator Adérito Lopes, vítima de um “ataque cobarde” por um grupo de extrema-direita, estão a ser convocadas para domingo em Lisboa e no Porto.
A concentração “Não queremos viver num país do medo”, marcada para as 16h00 em frente ao Teatro A Barraca, em Lisboa, e para as 18h00 na Praça da Batalha, no Porto, é promovida pela sociedade civil e está a ser divulgada nas contas de várias associações nas redes sociais, entre as quais a SOS Racismo e a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas, e de estruturas artísticas como a Palmilha Dentada, os Artistas Unidos e a Plataforma 285.
No texto que convoca a concentração de solidariedade lê-se que o “ataque cobarde do grupo neonazi” a Adérito Lopes “não é um caso isolado”.
“Sabemos que esta onda de ataques a migrantes, pessoas racializadas, trabalhadoras, pobres e trabalhadores da cultura não vai ficar por aqui. Está a crescer alimentada pela impunidade judicial, pelo silêncio e pela desigualdade económica. Juntamo-nos domingo em solidariedade, para estarmos juntas e para nos organizarmos para mudar isto tudo - é a tarefa do nosso tempo combater este país desigual sem nunca sacrificar os direitos fundamentais entre os quais a liberdade de expressão”, referem os promotores da concentração.
*Com Lusa
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