A abertura da exposição “800 anos de saúde em Portugal” marca também uma nova vida para o Museu, que já existia no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge mas sem grande espaço disponível. A partir de agora vai estar numa vasta área cedida no Hospital dos Capuchos, também em Lisboa.

Para já são sete salas abertas gratuitamente ao público todas as quartas-feiras (nos restantes dias as visitas só podem ser feitas mediante marcação) a contarem como se fazia medicina, a mostrar objetos de época, como seringas de clister, mas também as primeiras vacinas, as primeiras zaragatoas, as primeiras radiografias e a célebre mesa de angiografia de Egas Moniz, onde fez em 1927 a primeira angiografia cerebral, recebendo duas décadas depois o prémio Nobel pela invenção da lobotomia.

Lá estão também as ventosas para tratamentos com sanguessugas ou o primeiro tratado sobre nutrição, os avanços científicos que marcaram a saúde como os termómetros, os estetoscópios e os microscópios, a história da luta contra a tuberculose e a investigação da malária, quando Portugal teve um “Instituto de Malariologia” em Águas de Moura (Palmela) que no início do século passado era referência mundial e recebia alunos de todo o mundo.

E depois, na última sala, a valorização das especialidades médicas, o plano nacional de vacinação, o serviço nacional de saúde, as grandes infeções (como a sida) e a resistência aos antibióticos.

Helena Rebelo de Andrade, a coordenadora do Museu, explica à Lusa que a exposição é um traçado cronológico da história da saúde entre o final da idade média e o século XX, através de 400 peças que “falam dos primeiros hospitais régios e da farmacopeia”, das políticas sanitárias do século XIX ou dos avanços técnico-científicos.

A responsável explicou que o Museu tinha feito até agora um trabalho de inventariação e recolha de peças e acrescentou que a nova etapa, a partir de hoje, é “pensar na estruturação de uma política integrada de preservação do património a nível nacional”, com a colaboração das instituições de Saúde nacionais e de outras, como a Direção Geral do Património, para “preservar a história da saúde” e divulga-la.

O Museu no Instituto Ricardo Jorge não tinha espaço para as 4.000 peças, diz também à Lusa o alto-comissário da estrutura, o médico e antigo bastonário da Ordem dos Médicos Germano de Sousa, que louva a decisão do Governo de criar um museu assim, onde pode ser desenvolvido “todo um projeto, fundamental do ponto de vista cultural, pedagógico e de preservação de peças”.

Germano de Sousa destaca ainda a localização da estrutura, na chamada “colina de Santana”, historicamente ligada à área da Saúde. É nela que fica o Hospital de S. José, antigo convento de Santo Antão que recebeu os doentes do Hospital de Todos os Santos, destruído no terramoto de 1755.

E fica também o antigo Hospital Miguel Bombarda e a sua enfermaria panóptica (de alta segurança) e o museu de arte dos internados, ou a coleção de ceras dermatológicas (para estudar lesões) já integradas no Museu, a Faculdade de Ciências Médicas, o Museu de Medicina Legal ou a sacristia do Hospital de S. José, património nacional.

Germano de Sousa destaca na exposição o que restou do Hospital de Todos os Santos, alguns números de camas, em cerâmica, e aponta a maquete desse grande hospital, mandado construir por D. João II, assim chamado porque o rei não podia dedica-lo a um único santo, e porque foi uma bula papal que o autorizou a canalizar para lá as rendas dos 47 pequenos hospitais que existiam na altura na capital.

Helena Rebelo de Andrade destaca da coleção a Caixa de Inspeção das Epidemias, que “marca uma época em que se passava de uma saúde curativa para uma saúde já a pensar na saúde pública”, e a mesa de angiografia de Egas Moniz.

Egas Moniz, viria a provar-se, estava errado quanto aos estudos sobre lobotomia. Mas Helena Rebelo de Andrade prefere não falar de erros do passado da medicina. “Não é um erro, é apenas um melhor conhecimento que permite perceber que essa funcionalidade não servia o que se pensava”, diz, referindo-se às seringas de clister de fumo de tabaco.

E a saúde mistura-se com a moda. Depois dos tratamentos médicos com clisteres de fumo de tabaco, tornou-se moda entre as mulheres lisboetas, os clisteres perfumados. Também as grandes golas e as perucas usadas pela aristocracia se tornaram moda mas foram criadas para esconder os vestígios de sífilis.