O Ministério Público (MP) do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Leiria anunciou hoje que deduziu acusação contra doze arguidos no âmbito do inquérito aos incêndios de junho de 2017 em Pedrógão Grande.
A acusação de 212 páginas, que associa ao processo 64 mortos e 38 feridos, relata o contexto da morte de cada uma das vítimas e tece duras críticas à forma como o Comandante Distrital de Operações de Socorro (CODIS) de Leiria, o segundo comandante distrital e o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande atuaram na resposta ao incêndio, estes dois últimos acusados ainda de nunca terem exigido o corte de qualquer estrada.
No despacho a que a agência Lusa teve acesso, o MP critica as decisões tomadas pelo CODIS de Leiria, Sérgio Gomes, que embora se encontrasse no hospital a acompanhar uma intervenção de um dos seus filhos aquando do incêndio, estava a desempenhar as suas funções, através do telemóvel, tendo dado indicações à sala de operações de mobilização de meios e contactado com o comandante de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, e com o segundo comandante distrital Mário Cerol.
O Ministério Público critica o facto de Sérgio Gomes, no exercício de funções, não ter mobilizado um segundo meio aéreo para o combate ao incêndio e reforçado os meios terrestres de combate no ataque inicial, não ter pré-posicionado meios (alguns dos meios pedidos apenas chegaram entre as 22:00 e as 23:00 vindo de locais mais distantes), não ter aumentado os meios terrestres quando foi acionado o ataque ampliado.
A acusação, assinada pela magistrada Ana Simões, nota ainda que não foram acionados meios de combate aéreo mais próximos do local e não acionou o único meio pré-posicionado, a nível nacional, da Força Especial de Bombeiros de Castelo Branco.
"A mobilização dessa força em tempo útil pelo arguido teria sido diferenciadora, contribuindo de forma objetiva para a contenção do incêndio", considera o Ministério Público.
Já o comandante dos Bombeiros de Pedrógão Grande é criticado por não ter autonomizado o incêndio de Regadas ou pedido reforço de meios para esse foco (que surgiu hora e meia depois de deflagrado o incêndio em Escalos Fundeiros, às 14:30). A acusação sublinha que o arguido sectorizou demasiado tarde o teatro de operações, optou por relocalizar o Posto de Comando Operacional "num momento inoportuno", não atualizou o plano estratégico de ação nem pediu reforço de meios de combate específicos.
A acusação relata que Augusto Arnaut fez um reconhecimento do terreno às 18:00, quando deveria estar a organizar e coordenar a estratégia de combate ao incêndio, e a relocalização do posto de comando por duas vezes - no espaço de duas horas - revelou-se uma má decisão, numa altura em que se registaram "inúmeras chamadas de pedidos de socorro e convergiam para o teatro de operações os meios de reforço de combate" que tinham sido solicitados, sublinha o MP.
"Por outro lado, não promoveu as medidas de proteção dos aglomerados populacionais" na linha do incêndio, nem requereu medidas de evacuação nem promoveu o corte de qualquer estrada.
As mesmas considerações do Ministério Público são tecidas em relação a Mário Cerol, segundo comandante distrital, que chegou ao teatro de operações às 18:00, mas, apesar de ser superior hierárquico de Augusto Arnaut, apenas passou a comandar formalmente as operações quase duas horas depois.
Entre as 18:00 e as 20:00, "havia vários meios de combate ao incêndio dispersos pelo teatro de operações, sem que o arguido Mário Cerol lhes tenha atribuído missão ou delineado uma estratégia para a sua intervenção", aponta o Ministério Público.
A acusação vinca que o segundo comandante distrital não efetuou um plano estratégico de ação atualizado, apesar de já estar munido com uma previsão meteorológica específica para o local, que permitia perceber que o incêndio se desenvolvia para o oeste em direção à estrada 236-1 (onde morreram grande parte das vítimas).
Para o Ministério Público, a não atualização do plano estratégico "conduziu a uma gestão meramente reativa do incêndio, sem qualquer estratégia ou planeamento, que resultou numa ausência de verdadeiro combate, arruinando irremediavelmente a hipótese de salvaguarda daquelas povoações e populações".
A atuação de Mário Cerol, lê-se na acusação, levou a que se passasse a acudir "a quem solicitava socorro e onde os meios existentes conseguiam chegar".
"Na verdade, não logrou coordenar os meios existentes no TO [teatro de operações], nem a atuação das diversas entidades e autoridades presentes no local", nota.
Na acusação, a que a agência Lusa teve acesso, também são tecidas várias críticas quer aos responsáveis da EDP pela limpeza dos terrenos por onde passava a linha de média tensão (descargas elétricas estarão na origem dos dois incêndios), quer a funcionários da Ascendi e autarcas dos concelhos de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera pela não limpeza junto às estradas onde morreram pessoas.
No despacho, é por várias vezes relatada a existência, antes do incêndio, de árvores, como pinheiros, eucaliptos e acácias implantadas a menos de dois metros das bermas da estrada e, em alguns casos, vergadas sobre a via, fazendo um efeito de túnel com as copas a tocarem-se.
Comentários