"Temos de ser capazes de fazer chegar à sociedade portuguesa a seguinte mensagem: ninguém é feliz ou pode ser feliz fingindo que não existe pobreza ao seu lado. Ou, dito de outra forma: é uma vergonha nacional sermos, em 2017, e agora já em 2018, das sociedades mais desiguais e com tão elevado risco de pobreza na Europa. Eu tenho vergonha", afirmou.
O chefe de Estado, que falava na sessão de encerramento de um debate sobre este tema, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, discordou daqueles que sustentam que "a solução passa exclusiva ou quase exclusivamente pelo crescimento que gera emprego e que acabará por chegar, mais tarde ou mais cedo, aos mais pobres dos pobres".
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, "é urgente juntar ao crescimento e ao emprego uma estratégia autónoma nacional de combate à pobreza, para a sua erradicação, não esperando que um dia os avanços da economia cheguem àqueles que, nessa altura, ou não pertencerão já ao número dos vivos, ou cuja pobreza é tal que toda a recuperação é inviável".
O Presidente da República defendeu que este caminho "é o único condizente com o realismo da Constituição da República Portuguesa", com a visão de "um personalismo assente na dignidade da pessoa humana", e acrescentou: "O que temos é de decidir o que queremos, e não esperar por mais crises futuras, assim desperdiçando o tempo que vivemos".
"Os Açores terminaram em janeiro a consulta pública do seu projeto de estratégia regional. Não será tempo de fazermos avançar a nossa estratégia nacional?", questionou.
No seu entender, houve "um indesejável compasso de espera durante a crise" e é preciso agir agora, "nestes anos de recuperação financeira e económica".
Antes, o chefe de Estado mencionou que, "para o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2016, o risco de pobreza, medido só por rendimentos líquidos inferiores a 454 euros por mês, baixara de 19% no ano anterior para 18,3% da população", enquanto "para o Eurostat atingia 2 milhões e 600 mil pessoas, ou seja, 25,1% da população em 2016, e em 2017 esse número teria baixado para 2 milhões e 400 mil pessoas, 23,3% da população".
De acordo com as estatísticas da União Europeia sobre rendimento e condições de vida, "Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da União Europeia, com 20% dos mais ricos tendo um rendimento 5,7 vezes mais elevado do que os 20% dos mais pobres", salientou, observando: "Pior do que nós, na Europa, só a Bulgária, a Roménia e a Grécia".
Marcelo Rebelo de Sousa sustentou que não se pode "negar os dados" e que se impõe "uma estratégia global de erradicação da pobreza" em Portugal, "no terreno, e com uma ampla mobilização nacional".
No seu entender, é preciso criar na sociedade portuguesa "a noção da responsabilidade coletiva" e a ideia de que ninguém pode realizar-se com pobreza ao lado.
"Não temos muito mais tempo a perder. É, no fundo, uma corrida contrarrelógio para não deixarmos chegar à sociedade àquilo a que chegaram outras sociedades, que muito dificilmente terão, a curto prazo, reversões em termos dos populismos, das xenofobias, das inseguranças e dos medos que vivem", reforçou.
Referindo que há quem coloque "o acento tónico" nas questões laborais, o Presidente contrapôs que "esta é uma questão transversal", que envolve o mundo do trabalho, a educação, a saúde, a habitação e a mobilidade.
O chefe de Estado demarcou-se, por isso, da ideia de "criação de uma secretaria de Estado para este efeito", sugerida pelo presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal, Agostinho Jardim Moreira, no início deste debate.
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