Na leitura do acórdão, o tribunal deu como provado a maioria dos factos constantes da acusação do Ministério Público (MP), mas o coletivo de juízes não deu como provado que a vítima tenha caído ao solo logo após ser esfaqueada pelo arguido, nem que o arguido pontapeou o ofendido na cabeça e no corpo quando este já estava no solo, como descreve o despacho de acusação do MP.
O tribunal procedeu à alteração da qualificação jurídica do crime, passando-o de homicídio qualificado (punível de 12 a 25 anos de prisão) para homicídio simples, que tem uma moldura penal inferior, que vai dos oito aos 16 anos de prisão, sustentando que não se verificaram os motivos nem os fundamentos para que o arguido fosse condenado por homicídio qualificado.
João Pedroso, à data dos factos com 19 anos, foi também condenado a pagar 76.000 euros à mãe de Miguel Alves, à data dos factos com 21 anos, a qual se constituiu assistente no processo.
Nas alegações finais, o procurador do Ministério Público pediu tinha defendido uma pena “nunca inferior a 14 anos de prisão”.
Logo após a presidente do coletivo de juízes ter lido o acórdão, viveram-se momentos de tensão, com gritos e nomes, como “assassino”, dirigido ao arguido por parte de familiares e amigos da vítima, sobretudo da mãe, que estava a chorar e visivelmente inconformada com a pena aplicada determinada pelo tribunal, o que obrigou à intervenção de vários agentes policiais.
O despacho de acusação do MP, a que a agência Lusa teve acesso, conta que na madrugada de 21 de outubro de 2017, no interior do bar Pérola, no Largo Vitorino Damásio, em Lisboa, a vítima “envolveu-se numa acesa discussão com um indivíduo, de identidade não apurada, conhecido por 'El Chapo', conflito que terá ficado aparentemente sanado”.
Por volta das 04:00, após abandonarem o bar, a vítima e outro jovem que o acompanhava envolveram-se em nova altercação “com um grupo de indivíduos, entre os quais estaria o mencionado 'El Chapo', resultando da contenda diversos feridos com arma branca e agressões físicas, algumas das quais produzidas pela própria vítima nos outros agressores”.
A acusação diz que assim que se conseguiu libertar dos agressores, a vítima, Miguel Alves, à data com 21 anos, fugiu a correr pelas Avenidas D. Carlos I e 24 de Julho, na direção ao Cais do Sodré, “seguindo no seu alcance o arguido João Pedroso” e um amigo deste.
No cruzamento da Rua do Instituto Industrial com a Avenida 24 de Julho, a vítima foi esfaqueada pelo arguido, segundo o MP.
“É muito elevada a ilicitude dos factos. A vítima foi atingida pela retaguarda (costas) quando estava em fuga à perseguição que o arguido lhe fazia. É muito elevado o grau de culpabilidade”, sublinhou a presidente do coletivo de juízes.
A juíza presidente aconselhou João Pedroso, que se manteve em silêncio ao longo do julgamento, a “aproveitar” o tempo em que vai estar preso para “pensar” no que fez, salientando que “nenhum ser humano merece” o que ele fez.
O arguido, que se encontra em prisão preventiva ao abrigo deste processo, foi, contudo, absolvido do crime de detenção de arma proibida.
João Pedroso foi condenado em 2016 a uma multa por um crime de furto tentado e já durante o período de prisão preventiva, ao abrigo deste processo, foi também sancionado disciplinarmente com sete dias de permanência no alojamento por insultos a guardas prisionais.
À saída do Campus da Justiça, Pedro Madureira, advogado da família do jovem morto mostrou-se “bastante desagradado” com a pena aplicada pelo tribunal, acrescentando que “vai seguramente recorrer” para o Tribunal da Relação de Lisboa.
O advogado afirmou que “não faz sentido” a alteração da qualificação jurídica levada a cabo pelo coletivo de juízes, que beneficiou o arguido no cálculo da pena, recordando o “motivo fútil” pelo qual o filho da sua cliente foi morto.
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