"Isto não tem nada a ver com os europeus, nós adoramos a Europa. Temos uma casa de férias em Espanha e adoramos ir lá. Mas não queremos fazer parte de um "Super Estado". Odeio burocratas", explicou Eileen Gallagher à agência Lusa.
Fundadoras de uma empresa de produção televisiva bem sucedida, vivem juntas numa parte nobre de Islington, o bairro representado pelo líder trabalhista demissionário, Jeremy Corbyn, em quem votaram sempre até 2015, mas com quem cortaram por causa do processo do 'Brexit'.
No meio de uma multidão de milhares de pessoas, muitas com bandeiras do Reino Unido, cachecóis, chapéus ou crachás alusivos ao 'Brexit', Ann rejeita qualquer triunfalismo, até porque o tema é sensível e azedou relações com vizinhos, amigos e família.
Mas em redor, o ambiente é efusivo, com pessoas a cantar espontaneamente "Rule, Britannia", uma canção patriótica britânica, entoada frequentemente pelos adeptos da seleção de futebol inglesa.
O dia da saída da UE foi assinalado em várias partes do Reino Unido, por adeptos do 'Brexit', mas também por pró-europeus, que quiseram manifestar a tristeza com o acontecimento.
No palco do evento organizado em Londres pelo movimento "Leave Means Leave", de Nigel Farage, o comediante Dominic Frisby foi convidado para animar a assistência com o tema "17 Million F**k Offs - A Brexit Song", que subiu ao lugar 40 do 'top' de vendas, mas sem conseguir ultrapassar uma versão de "Hino da Alegria" por Andre Rieu, atualmente no 27.º posto.
A letra provocadora recorda momentos e figuras dos últimos três anos, com referências reprovadoras ao 'Mayor' de Londres, Sadiq Khan, à BBC, à dissidente conservadora Anna Soubry ou à ativista Gina Miller, que geram apupos e assobios, e alusões jocosas a Theresa May ou Jeremy Corbyn, que provocam gargalhadas.
"Talvez Donald Trump afinal não seja tão mau", cantou Frisby a cerca altura, arrancando aplausos.
Observando o palco, mas de longe, Peter Tamayo segurava uma grande bandeira britânica numa mão e uma lata de cerveja na outra, escondida debaixo do casaco devido à limitação imposta pelas autoridades ao consumo de álcool no local.
"Foram dois anos muito dolorosos. É verdade que a margem foi de apenas 4%, mas o 'Brexit' ganhou. Isto não tem a ver com os europeus, não rejeitamos a cultura da Europa. É a ideologia", diz este descendente de pai espanhol, que viajou 64 quilómetros de Bishop's Stortford, a norte de Londres.
Valerie e Stewart viajaram de Richmond, o bairro aristocrático no oeste de Londres, com disposição e vestidos para festejar, ele de casaco vermelho vistoso, ela num vestido preto sem mangas, apesar do frio e chuviscos que foram caindo durante a noite.
"Temos de estar triunfantes, temos a democracia de volta", justificou Stewart, alegando que não gostava da União dos 28 países europeus, mas que gosta da união entre Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte que forma o Reino Unido.
"São 60 milhões de habitantes, é o tamanho certo", argumentou.
No sistema de som ouve-se "We Are the Champions", dos The Queen, apesar de o fundador e guitarrista Brian May ter descrito o 'Brexit' como "a coisa mais estúpida" que o país fez.
A seguir ouve-se "Hey, Jude", dos The Beatles, cujos únicos membros vivos manifestaram opiniões contraditórias sobre o Brexit, Paul McCartney contra e Ringo Starr a favor.
Todavia, a maior estrela da noite foi Nigel Farage, o eurodeputado durante 20 anos por partidos eurocéticos a quem é atribuído um papel no movimento que levou David Cameron [ex-primeiro-ministro] a ceder e convocar um referendo em 2016.
"O facto é que a guerra acabou. Nós ganhámos. Vamos comemorar", declarou, minutos antes de começar uma contagem decrescente até às 23:00 horas.
Com o aproximar da hora oficial da saída da UE, a multidão na praça de Westminster, junto ao parlamento, aumentou, não só com adeptos do 'Brexit', mas também com turistas e curiosos.
"É triste, mas é um momento histórico", comenta um turista irlandês, enquanto que dois jovens portugueses de passagem pela capital britânica filmam o acontecimento com os telemóveis.
Chegadas as 23:00 horas, muitas pessoas festejam, com gritos, assobios e braços no ar, vários cantando o hino "God Save The Queen", alguns abraçando-se ou abrindo garrafas de espumante - inglês - para brindar.
Para Eileen Gallagher, a palavra que resume esta noite é "alívio", confessou à Lusa, explicando: "Por momentos pensei que não íamos conseguir sair".
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