“Este incidente deve ser considerado como muito grave, pois poderia ter consequências catastróficas. Ocorre durante uma das fases críticas, a descolagem, e deverá, com certeza, merecer uma atenção especial na sua investigação. Recordemo-nos do caso do Concorde, em 2000, com consequências trágicas. Um objeto estranho numa pista é sempre grave, e no caso de um aeroporto desta dimensão e intensidade de tráfego, é simplesmente inaceitável”, alertou Luís Trindade, também coronel da Força Aérea Portuguesa, já na reserva.
A investigação apurou que o acidente do Concorde (AF4590), ocorrido em Paris, França, a 25 de julho de 2000, do qual resultou mais de uma centena de mortos e a destruição total da aeronave e de algumas casas, deveu-se ao facto de, durante a corrida de descolagem na pista do Aeroporto Charles de Gaulle, o avião ter colidido/passado por cima de um objeto metálico que se encontrava na pista, tendo a tripulação perdido depois o controlo da aeronave.
“Como nos demonstram as estatísticas de ocorrências, o risco é elevadíssimo exatamente por causa das consequências que podem daí advir. Essa é a razão pela qual esta investigação deve ser rápida e exaustiva, devendo dar origem desde já a que sejam revistos os procedimentos locais do aeródromo”, defende este perito, ex-consultor da Autoridade Nacional da Aviação Civil, regulador do setor, no âmbito da segurança aérea.
Fontes aeronáuticas contaram à Lusa que o comandante do Boeing 737-800 da companhia aérea irlandesa, ao descolar da pista 17, pelas 06:30 de terça-feira, com destino ao Aeroporto de Milão-Bérgamo, Itália, reportou à torre de controlo “ter embatido em alguma coisa”, no momento em que o avião já se encontrava na parte final da corrida de descolagem, já com as rodas no ar.
Após uma inspeção, foi encontrada e recolhida uma roda de trem [de aterragem] de nariz, que estava no meio da pista. As mesmas fontes do setor da aviação explicaram que esta roda de trem de aterragem fazia parte de um conjunto de rodas que estava a ser transportado pela empresa que opera no aeroporto, para outra aeronave, e que, por alguma razão, se soltou e foi parar à pista.
O incidente não causou danos no Boeing 737-800, que tem capacidade para 189 passageiros.
“A tripulação deste voo do Porto para Milão-Bérgamo reportou a existência de um objeto (pneu de carro) que se encontrava na pista durante a descolagem. A aeronave aterrou no destino dentro da normalidade, tendo sido inspecionada pela equipa de engenharia em Milão e liberada para o voo de regresso”, indicou a Ryanair, em resposta escrita enviada à Lusa.
Luís Trindade diz que é fácil a identificação do trem de aterragem, pois trata-se de uma peça de uma aeronave com número de série.
O especialista em segurança da aviação sublinha que o mais importante agora é determinar como é que a peça surgiu na pista, e aponta algumas hipóteses.
“Ou pertencerá a uma aeronave, e nesse caso o piloto teria dado pela sua falta, o que me parece difícil de ter acontecido; ou foi deixada na pista aquando do seu transporte em alguma viatura. Se assim foi, é deveras estranho, pois não é suposto circularem viaturas na pista. Poderá também ter acontecido que essa roda de trem tenha tombado de uma viatura que, mesmo não estando a circular na pista, mas sim no 'taxiway', possa ter rolado até à pista, mas parece-me também inverosímil, por se encontrar a bastante distância da pista”, indicou este perito.
Luís Trindade relata que o Aeroporto do Porto tem uma estrada de circulação destinada para os veículos, “exatamente para evitar estes casos”, acrescentando que “se tiver sido o caso de um transporte de material”, o mesmo “deveria ter sido por aí efetuado”.
Fonte oficial da ANA – Aeroportos de Portugal, confirmou anteriormente à Lusa a existência “de um objeto” na pista.
“A ANA Aeroportos de Portugal confirma que ocorreu, dia 25 de setembro, no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, um incidente no qual foi identificado um objeto na pista. Este incidente, que não teve impacte na operação aeroportuária, foi devidamente escalado e encontram-se a ser apuradas as causas e outros elementos de avaliação do mesmo”, afirmou a ANA, em resposta escrita.
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