"Quis um disco que me refletisse, esta abundância que finalmente reconheço que tenho", começa por referir Maria João, em entrevista à SIC.  O seu 31º disco, gravado em Maputo, explora a riqueza cultural da artista, com uma mãe moçambicana e um pai português.

“Já que fiz 40 anos como cantora, eu disse ‘Pocha João, tens de te orgulhar”, afirmou Maria João que considera que nos “devemos orgulhar dos pequenos grandes feitos e não estar sempre a recriminarmo-nos”, à Lusa.

Cruzando influências africanas com sonoridades eletrónicas, cria uma "abundância de sorrisos", com temas felizes que se inspiram nos ritmos e sons do dia-a-dia. “Começámos a trabalhar com as eletrónicas, os sintetizadores, com as melodias e as ideias que eu tinha. Já com algum material, as canções e as melodias feitas, fomos gravar em Maputo com músicos moçambicanos”, explica.

"Achei que era a altura. Já fiz outras coisas antes, mas queria muito fazer um disco que refletisse esta abundância de ter uma mãe moçambicana e um pai português, de ter nascido em Portugal e de ter esta riqueza cultural e pessoal", afirmou Maria João em entrevista à agência Lusa.

A vontade de Maria João é continuar a fazer "música libertadora", servindo-se do jazz, que tem sido conforto e desafio ao longo dos anos, um género "rico, ambicioso e aventureiro", nas palavras da artista.

"Abundância" contou com a produção de Luís Fernandes e inclui dez temas, muitos da autoria da própria cantora. À SIC, revela que foi o primeiro álbum com uma produção estrangeiro, que trouxe "ambição" para o estúdio e a ajudou a "disciplinar a criatividade".

Entre as faixas destaca-se "Esperança", baseada num poema do escritor moçambicano e Prémio Camões José Craveirinha, musicado por Maria João e João Farinha, um amigo e músico que também marcou os 40 anos da cantora. "Ao Sol", "African Foxtrot", "O Amor é Verdadeiro" e "As Tuas Tranças", estão entre as outras composições que celebram a fusão entre eletrónica e tradição moçambicana, “músicos de lá, que são a minha família artística”.

O elenco musical do álbum conta com Silvan Strauss e Texito Langa (bateria), Valter Mabas (guitarra), Cheny Wa Gune (timbila), o Coro TP50 (Xixel Langa Xizimba, Leticia Deozina, Nadya Cosmo e Onésia Muholove) e tem como “convidados especiais” os cantores Mucavele e Stewart Sukuma.

“Eu queria juntar estas duas componentes, a parte portuguesa – moderna e eletrónica, aventureira e ambiciosa – com a ancestralidade, a música da minha outra terra [Moçambique]”, conta.

"Todos os anos vou a Maputo, e fico verdadeiramente encantada", acrescenta, "é tudo muito rico e, lá está, abundante", em entrevista à SIC. A admiração pelas raízes moçambicanas levou Maria João a convidar as Meninas do Coro de Moçambique para colaborar na criação do álbum, tal como outros músicos locais.

O processo criativo teve início nos Aurora Estúdios, em Lisboa, com os músicos João Farinha e André Nascimento, colaboradores do projeto Ogre. Posteriormente, a gravação foi concluída em Maputo, contando com a participação de músicos moçambicanos como Texito Langa, Valter Mabas e Cheny Wa Gune, bem como do Coro TP50 e dos cantores convidados José Mucavele e Stewart Sukuma.

Já há várias datas para a apresentação do disco em Portugal e no Brasil. A vontade, é a de continuar, com abundância: “Fiz o que tenho feito, o melhor que eu posso com aquilo que vou tendo, portanto tenho de me orgulhar", termina.

40 anos de Maria João

Maria João, nascida em Lisboa em 1956, é uma das vozes mais marcantes do jazz português, com relevância no panorama musical nacional e internacional. Em 40 anos, publicou álbuns como "Danças" (1994), "Fábula" (1996) e "Cor" (1998), este último evocando os 500 anos dos Descobrimentos Portugueses.

Em 2006, tornou-se a única artista portuguesa nomeada para o European Jazz Prize, ao lado de nomes como Jamie Cullum e Bobo Stenson . Além disso, o álbum "Follow the Songlines", gravado com Mário Laginha, David Linx, Diederik Wissels e a Orquestra Nacional do Porto, foi nomeado para os prémios franceses Victoires du Jazz na categoria de "artista ou formação vocal"

A artista é conhecida pela sua versatilidade e criatividade. O vasto conhecimento musical permite-lhe brincar com diferentes estilos e sonoridades como ninguém, desde o jazz tradicional até à música eletrónica, como neste último álbum.

Colaborou com vários músicos de prestígio, entre os quais se destaca Mário Laginha, uma parceria duradoura, que acompanhou o progresso da artista, até ao último trabalho.

*Com Lusa