
Joana (nome fictício) trabalha no Hospital de São José, em Lisboa, e sentiu o sismo desta segunda-feira. "Estava dentro do hospital e comecei a sentir o chão a tremer. A primeira coisa que eu pensei não foi que era um sismo, achei que podia ser aquele tremor do metro a passar, mas depois lembrei-me que o metro não passa ali", conta ao SAPO24.
"O barulho foi-se intensificando, também com o abanar das máquinas e das camas dos doentes, e fez algum alarido. Só aí comecei a perceber que era um sismo. E houve algum aparato no hospital, as pessoas começaram a ficar um bocadinho alarmadas", aponta.
Para a profissional de saúde, que sentiu pela primeira vez um sismo, a perceção foi de que "ainda durou algum tempo", mas a preocupação não chegou tanto aos doentes. "A maioria não se apercebeu. Só depois quando as pessoas começaram a comentar é que se aperceberam que era um sismo, mas estava tudo tranquilo. E alguns doentes mais conscientes disseram logo o que era".
Situado na zona história de Lisboa, logo acima do Martim Moniz, o Hospital de São José foi, em tempos, um convento. Parte da estrutura ainda conta essa história. "Há sítios onde o chão e as paredes são muito grossas e acho que nesses sítios sentiu-se pouco, mas ali na parte mais central, onde há as medicinas, sentiu-se muito, e ouvia-se as coisas a abanar", reforça Joana. Apesar nisso, "não houve danos".
" Acho que nós até temos pouco medo disto e estamos pouco preparados para agir numa situação destas"
Num local de saúde, é necessário haver um protocolo de catástrofe a seguir. "Tem de haver uma pessoa responsável, mas como passou e depois não houve nenhuma réplica que as pessoas acabaram por não se organizar e voltaram rapidamente à normalidade".
Ao SAPO24, o Hospital de São José confirma que "dispõe de instruções especiais de segurança para atuação em situação de sismo, contudo não foi necessário proceder à sua ativação face à fraca expressão do mesmo".
"Foi sentido um ligeiro abalo, não tendo sido registados dados em nenhuma das unidades hospitalares que fazem parte da ULS São José", explica ainda.
Num hospital "era bom poder salvar pessoas"
Para Joana, o que aconteceu serve como alerta para situações futuras. "Acho que até temos pouco medo disto e estamos pouco preparados para agir numa situação destas. Comecei logo a pensar onde é que eu me podia meter, se numa ombreira de uma porta, numa parede maior onde eu me pudesse abrigar, mas acho que as pessoas não estavam assim muito preocupadas", frisa.
"Talvez fizesse sentido um plano nacional nestes sítios públicos, assim como relembrar estes procedimentos e voltar a fazer formação preventiva para nos prepararmos para lidar com estas situações, ainda mais num sítio como este, um hospital em que era bom poder salvar pessoas", acrescenta.
"Às vezes fazem simulacros e quando eu comecei a trabalhar no hospital foi-me apresentado um plano de acolhimento ao trabalhador em que se fala sobre tudo isto. Como é que se organizam os serviços, dizem que não podemos usar os telefones, há uma pessoa responsável para essa tarefa, há um protocolo a seguir".
"Realmente há esta formação inicial que toda a gente faz. Depois, na prática, como passa algum tempo se calhar isso acaba por ficar mais esquecido e não se pratica — é tudo muito teórico —, em situações de pânico se calhar é mais complicado seguir tudo isto", remata.
Um futuro em que se olha para os sismos
Em maio do ano passado, o Tribunal de Contas afirmou que a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo está a obrigada a incluir no projeto do futuro Hospital de Lisboa Oriental uma solução de isolamento contra sismos.
“Há que pensar, muito bem, que as estruturas hospitalares deverão ser sempre as mais resistentes e as mais resilientes justamente para acudir às vítimas de um evento sísmico de larga escala que possa vir a ocorrer na zona metropolitana como Lisboa”, refere ainda o documento.
Segundo o tribunal, em causa está o maior hospital da sua área geográfica, “recaindo sobre ele grande parte do socorro às populações em caso de emergência sísmica, tendo por essa razão que ser objeto de especial atenção e cuidado”.
"Os principais hospitais de Lisboa e do sul de Portugal vão colapsar no próximo grande sismo"
Em fevereiro de 2023, o então ministro da Saúde afirmou que as regras de prevenção de risco sísmico dos hospitais seriam revisitadas, em particular do futuro Hospital de Lisboa Oriental, mas que tal não significava que houvesse “nenhuma preocupação especial" sobre esta matéria.
"Trabalhamos regularmente com as instituições universitárias que fazem essa avaliação e revisitaremos o tema sem que daqui resulte uma preocupação especial", afirmou Manuel Pizarro na altura.
Nessa altura, em entrevista à TVI/CNN, Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico afirmou que "os principais hospitais de Lisboa e do sul de Portugal vão colapsar no próximo grande sismo" e que "o futuro hospital central de Lisboa sofre de um erro histórico de projeto".
À TSF, o engenheiro Paulo José Costa dizia também que "à exceção do Hospital da Luz, que está preparado para o sismo com a melhor tecnologia que existe, o Hospital de São José colapsa, o Hospital de Curry Cabral cai, o Hospital de Santa Maria fica inoperacional. É uma carência brutal de estruturas vitais que vai acontecer logo após o sismo. Não podemos utilizar essas estruturas".
Lisboa está preparada?
Na segunda-feira, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), assegurou que a cidade está preparada para responder em caso de sismo ou tsunami, com 86 pontos de encontro de emergência e com o sistema de comunicação Aviso LX.
Num balanço sobre o sismo sentido, Carlos Moedas transmitiu “uma mensagem, sobretudo, de tranquilidade aos lisboetas”, mas também de preparação da cidade para responder em caso de catástrofe natural.
“Não tivemos registo de nenhum dano, nem nenhum pedido de urgência ou um pedido de ajuda, mas tivemos muitas pessoas que nos ligaram a pedir informação”, indicou o autarca de Lisboa.
“Tínhamos todos os nossos serviços, todas as nossas equipas da Proteção Civil, da Polícia Municipal, do nosso Regimento de Sapadores Bombeiros, em pleno alerta”, garantiu.
"Vivemos numa cidade em que sabemos que os sismos acontecem"
Neste âmbito, o autarca elencou o trabalho do executivo municipal de Lisboa nos últimos três anos, começando pelo lançamento, em 2022, do “primeiro sistema de controlo e de alerta de tsunami”, com duas torres de alerta, uma no Terreiro do Paço e outra na Praça do Império, em que, em caso de tsunami, há “um aviso imediato às pessoas” com informação sobre os sítios onde se devem dirigir.
O presidente da câmara realçou ainda a “grande revisão” do plano de emergência do município de Lisboa, em conjunto com as 24 juntas de freguesia, em que foram criados 86 pontos de encontro de emergência na cidade, onde as pessoas se devem dirigir em caso de catástrofe.
Os pontos de encontro de emergência estão identificados no site da Câmara de Lisboa. Toda a informação está disponível aqui.
O município dispõe ainda de um sistema de avisos de proteção civil, preventivos e de ação (emergência), para além de recomendações no âmbito da sensibilização à população, para os riscos da cidade e comportamentos de autoproteção, – Aviso LX –, que pode ser subscrito pelos cidadãos através do envio de um ‘sms’ com o texto “AvisosLx” para o número 927 944 000.
Sobre as zonas de maior risco sísmico, o autarca apontou “toda a zona da Baixa pombalina”, que foi construída antes da engenharia antissísmica ser aplicada nos projetos.
“Estamos com toda a preparação necessária para poder reagir, mas obviamente que vivemos numa cidade em que sabemos que os sismos acontecem”, ressalvou.
Comentários