A 4 de janeiro, depois de defender a sua tese de doutoramento em Engenharia Eletrotécnica e Computadores pela Universidade de Coimbra, Hazem Hadla queria apenas partilhar a sua felicidade com os pais, a viver em Homs, na zona ocidental da Síria.
Só uma semana mais tarde, e por mensagem através do WhatsApp, conseguiu dar as boas novas à família.
"Um irmão disse-me que o meu pai começou a chorar, assim que recebeu a notícia. Era um sonho dele que um de nós tivesse um doutoramento. O meu pai sempre me apoiou muito e sempre me encorajou a ir mais longe", conta à agência Lusa o refugiado sírio de 33 anos, que já não vê os pais desde que partiu da Síria para a Universidade do Cairo, Egito, em 2011.
Depois de tempos conturbados no Egito com o futuro em suspenso, depois de várias candidaturas a visto negadas por outros países, depois de oito anos longe dos pais, finalmente podia dizer que era doutor.
Em fevereiro de 2011, rumou à capital egípcia, após ter conseguido uma bolsa para fazer um mestrado em engenharia eletrotécnica. Já havia notícias de manifestações e protestos fortemente reprimidos pelo regime de Assad, mas a guerra civil só eclodiria mais tarde. "Fui para o Egito e nunca mais voltei ao meu país", afirma.
Depois de concluir o mestrado, ficou pelo Egito à procura de trabalho, de bolsas para continuar os estudos e conseguir o doutoramento que tanto sonhava alcançar. No entanto, a todas as portas que batia nenhuma se abria.
Um dia, estava na Embaixada da Suíça na expectativa de receber notícias positivas sobre a sua candidatura a um visto.
"A resposta foi negativa. Saí de lá triste e comecei a andar ao lado da margem do rio Nilo, a pensar no que iria fazer da vida. Pensava que nada funcionava, que nada batia certo. Fui para casa, abri o computador e decidir ver os ‘emails’ e vi a resposta da Plataforma [Global de Apoio a Estudantes Sírios, liderada pelo antigo Presidente da República Jorge Sampaio] a dizer que me aceitavam como estudante de doutoramento", relata.
Nesse momento, Hazem chorou de felicidade.
"Foi um grande alívio", recorda. Quando contou à família que poderia continuar o seu sonho, o pai disse-lhe: "Pede-me qualquer coisa, que eu faço por ti. Eu faço tudo para que consigas fazer o doutoramento", relembra Hazem.
Nas chamadas com a família, com quem fala de mês a mês devido às dificuldades de ligação, os pais não falam dos problemas por que passam em Homs.
"Eu sei que eles têm muitas dificuldades e muito medo. Eu apenas consigo imaginar a situação por aquilo que leio nas notícias, porque eles não dizem muito", afirma o estudante.
Hazem chegou em março de 2014, no primeiro grupo de estudantes sírios apoiados pela plataforma. Esteve primeiro na Universidade de Aveiro, mas acabou por mudar-se para a Universidade de Coimbra.
"Honestamente, eu não encontrei dificuldades em adaptar-me à vida em Coimbra", diz.
Para isso, também ajudou a segunda família que encontrou por cá: Helena Barroco, da plataforma, e Teresa Baptista, da Universidade de Coimbra, a pessoa a quem recorre quando não se sente bem e precisa de desabafar - "uma espécie de segunda mãe em Portugal".
Os últimos quatro anos, confessa, foram muito focados no doutoramento, especialmente o último ano e meio: "Foi cansativo. Foi noite e dia no laboratório, a trabalhar".
"Tendo esta oportunidade, se não conseguir beneficiar desta oportunidade, o que vou ter? Então fiz todo este esforço de conseguir tirar benefícios desta oportunidade e alcançar um dos maiores objetivos da minha vida", vinca.
Por tudo o que passou nestes quatro anos, sente-se eternamente grato ao país que o acolheu.
"Eu gostava de agradecer a Portugal, a todos os portugueses, pode ser um por um", disse à Lusa o estudante de 33 anos, que fez questão de expressar a sua gratidão a Jorge Sampaio, por permitir transformar o seu "sonho em realidade".
Com o doutoramento concluído, Hazem Hadla já só pensa em encontrar um trabalho para estabelecer a sua vida em Portugal e poder ajudar a sua família na Síria.
Para além de Hazem, há mais três estudantes sírios associados à plataforma a frequentarem a Universidade de Coimbra.
Mohammad Safeea, que tirou 20 valores na tese de mestrado, está a fazer doutoramento com dupla titularidade pela Universidade de Coimbra e uma instituição francesa, Mounir Affaki está a tirar doutoramento em arquitetura e Husam Hayek acabou o mestrado e prepara-se para avançar para doutoramento em arqueologia, contou à Lusa Teresa Baptista, assessora na reitoria da Universidade de Coimbra que dá apoio a estes estudantes.
O vice-reitor da Universidade de Coimbra Joaquim Ramos de Carvalho salienta que a instituição tem "orgulho" de estar organizada e preparada para receber e apoiar estudantes refugiados, seja para aprender português, prosseguir os estudos ou obter o reconhecimento das suas qualificações.
"Temos tudo operacional para que as oportunidades se concretizem e para que haja casos de sucesso", salientou.
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