No início da noite passada, uma embarcação desconhecida passava ao largo da Ilha do Farol, acabando por conseguir chegar a terra firme. Era um barco de madeira, semelhante a outros que já têm chegado à costa algarvia. Em tempos, da nossa costa saía-se para descobrir novos mundos. Agora, a costa é ponto de chegada. Desta vez, de 21 homens de origem marroquina.
O barco, com um motor de reserva além do que foi utilizado para transportar o grupo até à praia, vinha mais cheio do que seria suposto. Trazia também telemóveis e alguma comida, necessária à viagem.
As autoridades intercetaram o grupo já na areia, nas imediações da praia. Dada a atual pandemia que não conhece fronteiras marítimas ou terrestres, os primeiros passos para estes migrantes foram o alojamento temporário no pavilhão desportivo do Olhanense e o teste à covid-19. Todos com resultado negativo, foram entregues ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Mas esta não é uma história isolada. Este ano é já o quarto caso registado, o terceiro desde o início de junho, envolvendo migrantes alegadamente de origem marroquina que desembarcaram no Algarve. No total, são já 69 os migrantes desembarcados ilegalmente e intercetados na costa algarvia desde dezembro do ano passado.
Neste sentido, o SEF referiu hoje que está demonstrado que há uma rota de imigração ilegal para o Algarve e que Portugal funciona sobretudo como uma porta de entrada para a Europa — agora, somos a brecha para o novo mundo de quem chega num pequeno barco de madeira.
"As evidências não se negam e há aqui uma realidade. Há uma rota e nós somos um destino”, disse o presidente do sindicato que representa os inspetores do SEF, Acácio Pereira, sublinhando que neste momento esta é uma rota de Marrocos, mas pode vir a tornar-se numa rota do norte de África.
Sendo uma porta de entrada, a maior parte dos migrantes não querem cá ficar, mas sim partir daqui para outros destinos. E, por isso, há mesmo casos de migrantes que chegaram nos últimos meses a Portugal e que, enquanto aguardam pela conclusão do processo, fogem do país. Para resolver o assunto, o SEF refere que "as coisas devem ser assumidas e tratadas devidamente".
E como é que isso se faz? Segundo Acácio Pereira, é uma questão de negociar. "Enquanto que Espanha já tem com Marrocos acordos de readmissão e de retorno", Portugal ainda está em negociações para um acordo de imigração ilegal com aquele país, diz. Além disso, o Sistema Integrado de Vigilância e Comando e Controlo (SIVIC) tem demonstrado falhas e "nunca conseguiu" detetar as embarcações que chegaram à costa algarvia, o que é sinal de vulnerabilidade.
Os números não enganam e os barcos continuam a surgir na costa, quase sempre apinhados, em modo casca de noz que flutua até um porto seguro. É caso para alterar o slogan de Alexandre O'Neill e dizer que "Há mar e mar, há ir e chegar". De Marrocos ou de onde for preciso sair.
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