António Barreto, que abordou o impacto da instituição na sociedade portuguesa na obra "Fundação Calouste Gulbenkian: 50 anos", quando falava em sorte, referia-se ao património que, de repente, o país ganhava e aos motivos que teriam levado o milionário de origem arménia Calouste Gulbenkian a deixar a fortuna e a coleção de arte a Portugal.

“A verdade é que esta fundação, com o seu património, é o mais extraordinário golpe de sorte da nossa história. Muitos foram os êxitos dos portugueses durante séculos, mas sofridos e resultado de esforço, por vezes sobre-humano. Com esta fundação, estamos perante aquele que é um dos mistérios da história: a sorte”, disse Barreto, na sessão solene que assinalou a data.

Gulbenkian, em Portugal, significa arte, ciência, cultura, o museu e as temporadas de música, uma orquestra e um coro, um instituto de investigação científica, que lidera pesquisas sobre assuntos tão distintos como malária e mecanismos neuronais, o universo de bolseiros construído ao longo de mais de cinco décadas, o impulso dado ao cinema português, à dança contemporânea, com uma companhia própria, e à leitura, em particular com as bibliotecas itinerantes que durante quase 40 anos atravessaram o país, quando impreravam as grandes taxas de analfabetismo.

A coleção de arte encontra-se exposta no museu desde a conclusão do edifício, em Lisboa, em 1969.

Aos núcleos de arte egípcia, greco-romana, da Mesopotâmia e do Oriente Islâmico, da Arménia e do Extremo Oriente, junta-se a arte europeia, desde o século X, com marfins e iluminuras, artes decorativas e do livro, ourivesaria, escultura.

A pintura remonta à escola flamenga do século XV, e avança numa sucessão de obras assinadas por autores como Domenico Ghirlandaio, Moroni e Bugiardini, até atingir o século XVII de Frans Hals, van Dyck, Rubens e Rembrandt, as cenas setecentistas de Watteau e Fragonard, as perspetivas de Veneza multiplicadas por Francesco Guardi, o gesto visionário de Turner, no Romantismo, e o século XIX de Corot, Millet, Fantin-Latour, Manet, e a emergência da modernidade de Monet, Renoir, Degas.

À coleção do fundador, junta-se a coleção moderna, servida por uma política constante de aquisições. Aqui encontram-se expoentes da expressão portuguesa contemporânea (muitos deles bolseiros da fundação), de Amadeo de Souza-Cardoso a Almada Negreiros, de Vieira da Silva a Paula Rego e Júlio Pomar, de Lourdes Castro a Ângelo de Sousa e Álvaro Lapa, Jorge Martins, Batarda e Julião Sarmento, de Helena Almeida a Rui Chafes, Nuno Cera ou Miguel Palma.

Há também Sonia e Robert Delaunay, Salvador Dalí, Max Ernst, Alberto Giacometti e George Grosz, Roberto Matta e Pablo Picasso, Miró, Picabia, e um núcleo de britânicos, como Gillian Ayres, Peter Blake, Richard Hamilton, Henry Moore e David Hockney.

créditos: Lusa

Da música à Orquestra, da biblioteca ao ballet

Na música, a atividade soma quase tantos anos como a Fundação, desde os festivais iniciais, reunindo grandes intérpretes que vão dos maestros Herbert von Karajan a Gustavo Dudamel, de Wilhelm Kempf a Maria João Pires, Maurizio Pollini, Nelson Freire, Martha Argerich ou Daniil Trifonov, de Dietrich Fischer-Dieskau a Ian Bostridge, de Georg Solti a Nikolaus Harnoncourt, Gustav Leonhardt, Frans Bruggen ou Claudio Abbado, numa sequência comum a qualquer outra grande sala de concerto a nível mundial.

A Orquestra Gulbenkian foi criada em 1962, primeiro como orquestra de câmara, agora reunindo mais de seis dezenas de instrumentistas, capaz de repertório sinfónico, mais o Coro (1964), e uma discografia associada a editoras como a Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Nimbus, Naïve, Naxos, depois de ter trabalhado com maestros como Claudio Scimone, Michel Corboz, Lawrence Foster ou Lorenzo Viotti, atual titular.

Os dez anos da fundação foram assinalados com a encomenda de uma obra ao compositor francês Olivier Messiaen, que criou "A Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo", estreada em Lisboa por Mstislav Rostropovich, e a tradição das encomendas manteve-se, alargando-se a gerações de compositores portugueses como António Pinho Vargas, Pedro Amaral, Luís Tinoco.

O Ballet Gulbenkian nasceu em 1961 do Grupo Gulbenkian de Bailado e do Grupo Experimental de Bailado, dirigido até 1964 por Norman Dixon. Extinto em 2005, teve como diretores artísticos o coreógrafo britânico Walter Gore, o croata Milko Sparemblek, o professor e bailarino Jorge Salavisa, a brasileira Iracity Cardoso e o bailarino e coreógrafo Paulo Ribeiro.

No seu repertório destacaram-se coreografias como "Sinfonia em Ré", do checo Jiry Kylian, "Jardim cerrado", do espanhol Nacho Duato, "Messias", do norte-americano Lar Lubovitch, "Treze gestos de um corpo", de Olga Roriz, "Danças para Uma Guitarra", de Vasco Wellemkamp, "Cinco tangos", do holandês Hans van Manen.

O serviço de bibliotecas itinerantes foi extinto em 2002, mas há muito que as carrinhas já não atravessavam o país. O projeto, lançado em 1958, contou com personalidades como Branquinho da Fonseca, António Quadros, David Mourão-Ferreira, Vasco Graça Moura, Alexandre O’Neill, António José Forte e Herberto Helder, entre diretores e membros das equipas de distribuição.

Os números

Números da Fundação apontavam, no termo do serviço, para 97 milhões de livros nas bibliotecas itinerantes, que chegaram a 3.900 povoações e a 29 milhões de leitores, em pouco mais de 30 anos.

Nas décadas de 1980/1990, a preocupação pela Animação, Criação Artística e Educação pela Arte foi assumida pelo Serviço Acarte.

A preocupação social reforçou o protagonismo nos últimos anos. Desde 2013, há projetos apoiados através do programa Partis - Práticas para a Inclusão Social pela arte, que inclui trabalho com adolescentes, em centros educativos, crianças refugiadas, pessoas com deficiência, indo da Orquestra Geração aos Sons à Margem, na área da música urbana, à ópera na prisão.

Na obra "Fundação Calouste Gulbenkian: 50 anos", António Barreto lembra como se vivia mal em Portugal, em 1956, quando foi criada a instituição: a pobreza, a alta mortalidade infantil, a ausência de saúde pública, o elevado índice de analfabetismo, a censura.

Com a Gulbenkian, entrou um pouco de luz numa sociedade fechada, disse o sociólogo. E entraram ideias, e saíram pessoas, que foram conhecer o mundo lá fora: "Sem essa janela, teríamos vivido pior”.

O programa que assinala os 150 anos do fundador

No sábado, dia do seu nascimento, a Fundação Calouste Gulbenkian, que mantém a sua memória e gere o seu legado em várias áreas, desde a cultural, social, científica e educativa, realiza a cerimónia oficial de comemoração com um concerto, uma exposição e a entrega de prémios a jovens, na sequência de um concurso.

O Coro e a Orquestra Gulbenkian darão um concerto, serão entregues os prémios aos vencedores do concurso dirigido a jovens dos 15 aos 25 anos, “Quem é Calouste”, e será apresentada a emissão, pelos CTT, em colaboração com os Correios da Arménia, de um selo em honra de Calouste Gulbenkian.

Também será inaugurada uma exposição de homenagem a Calouste Gulbenkian, com um percurso sobre a sua vida - que viria a fixar-se definitivamente em Lisboa, com o seu legado - com curadoria de Paulo Pires do Vale.

Nascido em 23 de março de 1869, em Istambul, a então Constantinopla, Gulbenkian morreu a 20 de julho de 1955, em Lisboa, depois de uma vida a percorrer o mundo, atravessando as duas grandes guerras mundiais.

Diplomata, homem de negócios, nomeadamente na área petrolífera, Calouste Sarkis Gulbenkian foi também um filantropo, e colecionador de arte que acabaria por fixar-se em Lisboa, fugindo à II Guerra Mundial.

Para celebrar a vida e obra de Gulbenkian, a fundação tem vindo a realizar várias iniciativas desde janeiro, nomeadamente o lançamento de um livro "O homem mais rico do mundo", biografia escrita por Jonathan Conlin, lançada também em Londres, e em Paris, que foi seguida de uma conferência internacional sobre colecionismo.

A 5 de abril está prevista a interpretação, pelo Coro e a Orquestra Gulbenkian, no Grande Auditório, do Requiem de Tigran Mansurian, dedicado às vítimas do genocídio arménio, entre 1915 e 1917.

No dia seguinte, depois de uma conversa entre Mansurian e Miguel Sobral Cid, diretor-adjunto do serviço de Música da Fundação, solistas da Orquestra Gulbenkian vão interpretar música do compositor arménio.

A 29 e 30 de junho, serão realizadas as primeiras sessões da atividade para crianças “O homem das mil moradas”, e a 12 de julho está prevista a abertura da exposição “O Gosto pela Arte Islâmica”, que retrata a relação entre o Oriente e Ocidente, na Coleção do Fundador.

A 19 de julho dá-se a Comemoração do Dia Calouste Gulbenkian, com a entrega dos Prémios Gulbenkian, e concerto da Orquestra Gulbenkian com a Orquestra Geração, e também será lançado um livro de cartas de Calouste ao seu neto, Mikael Essayan.

Para 5 de setembro está prevista uma Conferência internacional sobre as Novas Tendências da Filantropia e, a 8 de novembro, a inauguração da exposição "Art on Display", que assinala os 50 anos do edifício sede, que acolhe o museu da fundação.

Gulbenkian
Gulbenkian créditos: Pedro Marques | MadreMedia

Ativos totais da Fundação somaram 3.000 milhões de euros em 2017

A Fundação Calouste Gulbenkian, instituição portuguesa de direito privado e utilidade pública estatutariamente vocacionada para a beneficência, arte, educação e ciência, encerrou 2017 com um ativo próximo dos 3.000 milhões de euros, mais 1,4% do que em 2016.

“O retorno total dos investimentos, combinado com uma política continuada de contenção e flexibilização dos custos de funcionamento da Fundação, permitiu atingir ativos totais em 31 de dezembro de 2017 de cerca de três mil milhões de euros [2.925,6 milhões de euros], valor que representa um acréscimo de 1,4% em relação a 2016”, lê-se na mensagem da presidente no Relatório e Contas de 2017, o mais recente disponível atualmente.

Segundo Isabel Mota, “em 2017, o bom desempenho dos mercados financeiros internacionais, aliado a uma gestão profissional, permitiu que a carteira de investimentos da Fundação tivesse um retorno de 9,6%”, enquanto os ativos petrolíferos detidos através da Partex Oil & Gas “beneficiaram da recuperação progressiva do preço do petróleo, proporcionando bons resultados operacionais”.

De acordo com os dados disponibilizados no Relatório e Contas de 2017, para o ativo da Fundação contribuem “dois agregados fundamentais”: os ativos financeiros, com um valor de 2.409,9 milhões de euros, correspondentes à carteira de investimentos da instituição e que aumentaram 165,0 milhões de euros (+7,3%) face a 2016; e os ativos petrolíferos, detidos através da Partex Holding B.V., no valor de 457,0 milhões de euros, registados em balanço na rubrica de “ativos não correntes detidos para venda” porque é intenção da Gulbenkian alienar a petrolífera.

Fundada em 1939 por Calouste Gulbenkian, a Partex detém participações minoritárias em projetos de gás em Abu Dhabi e em Omã e posições no campo petrolífero de Dunga, no Cazaquistão, no bloco 17/06, em Angola, e nas bacias de Potiguar e Sergipe-Alagoas, no Brasil, tendo em 2018 registado receitas de 423 milhões de dólares (mais de 370 milhões de euros).

Em meados de fevereiro de 2018, a venda da Partex ao grupo chinês CEFC Energy chegou mesmo a ser avançada, num negócio que poderia ascender a 500 milhões de euros, mas cerca de dois meses depois a Fundação decidiu pôr termo às negociações em curso devido às suspeitas entretanto surgidas em torno da empresa chinesa.

Ainda assim, a Gulbenkian garantiu manter-se “inalterada a sua opção estratégica” de venda deste ativo – justificada com “a nova matriz energética e os seus objetivos em prol da sustentabilidade, na linha do movimento internacional seguido por outras fundações” -assumindo que não desistirá de tentar nova venda a outra entidade.

Em meados de fevereiro deste ano, o presidente executivo da Partex, António Costa Silva, apontou como objetivo concluir a venda da petrolífera até ao final de junho, adiantando haver “mais de três interessados”, todos eles “companhias internacionais muito reputadas”.

O Relatório e Contas de 2017 da Fundação aponta que o Fundo de Capital da Gulbenkian atingiu nesse ano os 2.616,1 milhões de euros (correspondentes a 89,4% do valor do ativo), um acréscimo de 83,4 milhões de euros (+3,3%) face ao ano anterior justificado pelo resultado positivo de 169,5 milhões de euros para ali transferido (que compara com 84,4 milhões de euros em 2016) e pela redução de 86,0 milhões de euros da rubrica de reservas.

O custo total com as atividades da Fundação, líquido de receitas geradas (com edições, bilheteiras, comparticipações recebidas e outras), foi em 2017 de 95,9 milhões de euros, sendo que os recursos afetos à atividade desenvolvida pela Gulbenkian (nomeadamente em atividades de filantropia, contribuições para as comunidades arménias, orquestra, museu, biblioteca de arte, instituto de investigação e delegações no Reino Unido e em França) atingiram os 67,2 milhões de euros (66,5 milhões de euros em 2016).

Criada em 1956 por testamento de Calouste Sarkis Gulbenkian, filantropo de origem arménia que viveu em Lisboa entre 1942 e 1955, a Fundação tem sede em Lisboa e dispõe de um museu (que alberga a coleção particular do fundador e uma coleção de arte moderna e contemporânea); de uma orquestra e de um coro; de uma biblioteca de arte e de um arquivo; de vários auditórios, salas de espetáculos e de congressos; de uma delegação no Reino Unido e outra em França; de um instituto de investigação científica de um jardim considerado um espaço único da cidade de Lisboa, onde promove atividades educativas, culturais e artísticas.

Para o período de 2018-2022 a Fundação definiu três domínios de atuação prioritários - a coesão e integração social, a sustentabilidade e o conhecimento - que se têm vindo a refletir transversalmente em toda a sua estratégia de intervenção.