Maria Rosa e Hélio saíram da Guiné-Bissau com a mesma "fome" de respostas, ele de educação, ela de saúde. No domingo, votam para as presidenciais na região de Lisboa, com expectativa de mudança e do fim das crises políticas.
Maria Rosa Lopes, 39 anos, tem na memória a data de chegada a Portugal - 12 de junho de 2014, há tantos anos quantos dura a mais recente crise política na Guiné-Bissau natal. De etnia Bijagós, Maria Rosa era funcionária do parlamento guineense e professora do projeto de luta contra o analfabetismo nas Forças Armadas, mas a falta de soluções para a doença da filha forçaram-na a deixar a Guiné-Bissau, onde faz questão de regressar.
"Mas para isso acontecer, é preciso que o meu país tenha um pouco de estabilidade. Desde 2014, houve a queda de vários governos, o que me causa muita preocupação e muita tristeza", disse à agência Lusa.
Maria Rosa, que ao longo destes cinco anos foi trazendo para Portugal o marido e os outros três filhos, acompanha com atenção quase religiosa a atualidade guineense e aflige-se pelo duro quotidiano dos irmãos que ficaram no país.
Por isso, prefere ver mais longe do que a expectativa de mudança que ao voto de domingo pode trazer.
"Temos de ter esperança, mas não podemos guardar a esperança na eleição porque não resolve os problemas. É um passo, mas existem muitos passos antes para conseguir resolver a situação da Guiné-Bissau", apontou.
A guineense, que durante a semana é auxiliar numa escola pública e ao fim de semana trabalha num lar de idosos, fala de problemas de educação de base de uma população, que em muitos casos não tem sequer identificação para se recensear. Por isso, insiste, há "várias situações que têm que ser resolvidas para sanear a situação política na Guiné Bissau".
E, na repartição de responsabilidades, Maria Rosa, para quem o princípio de que o voto é secreto é sagrado, não poupa ninguém. "Todos temos grande responsabilidade. Não vale a pena apontar o dedo. Todos os políticos que estão a acusar-se [...] antes foram governantes. A população guineense precisa é de ouvir os planos e projetos para o país após a eleição", considerou.
Para Rosa Maria, quem acaba sempre por pagar o preço da "dissolução de governos uns atrás dos outros" são os mais frágeis. "As dificuldades são muito graves. Temos mortalidade infantil, mulheres grávidas a perder a vida nos hospitais, poucos investimentos na Guiné-Bissau", apontou.
"A comunidade internacional não está disposta a investir na Guiné-Bissau e com razão", defendeu. Por isso, pede eleições "justas e transparentes" e que o candidato eleito tenha "capacidade de unir os guineenses".
"Muitas vezes ficamos com vergonha de dizer que somos guineenses porque é triste perceber que nos ajudam por pena e não pelo direito que temos como país soberano"
"Peço que, desta vez, seja um Presidente com capacidade de olhar para as necessidades profundas da Guiné-Bissau", disse, lembrando a importância de promover o bem-estar social e o orgulho dos guineenses no seu país.
"Muitas vezes ficamos com vergonha de dizer que somos guineenses porque é triste perceber que nos ajudam por pena e não pelo direito que temos como país soberano", lamentou.
Hélio Correia, 26 anos, chegou a Portugal dois anos antes de Rosa Maria, no final de um percurso estudantil que não tinha mais por onde progredir na Guiné-Bissau.
Com um curso médio de contabilidade tirado em Bissau, já em Lisboa fez um curso técnico de sistemas informáticos e este ano terminou uma licenciatura em Direito.
Ainda sem emprego fixo, conjuga trabalhos pontuais com ativismo político, usando os conhecimentos jurídicos para, através de vídeos colocados nas redes sociais, esclarecer sobre o processo eleitoral, a Constituição ou a situação política na Guiné-Bissau.
Apoiante assumido de um dos candidatos, Hélio Correia é crítico da atuação do Presidente da República e candidato a um novo mandato, José Mário Vaz.
"O país está a procurar o caminho do desenvolvimento e, nos últimos cinco anos, o Presidente da República colocou o país numa situação de instabilidades cíclicas, o que fez com que, o país em vez de dar um passo rumo ao desenvolvimento tenha tido um recuo muito considerável", disse.
Para o jovem guineense, neste quadro não se pode "esperar que o povo viva bem" e que os problemas de educação ou desemprego sejam resolvidos.
Por isso, aposta todas as fichas numa mudança política que saia do escrutínio de domingo e não quer sequer admitir outros cenários. "Espero que traga mudança para a Guiné-Bissau. O meu país conhece um longo processo de realização de eleições, que remonta a 1994, contudo as eleições ainda não conseguiram resolver o problema da Guiné-Bissau", apontou.
Desta vez, acredita Hélio, os guineenses vão eleger um Presidente da República "capaz de garantir estabilidade e que permitirá que o Governo e os outros órgãos de soberania possam fazer o seu trabalho".
"O povo vai fazer um voto responsável, em consciência e com critérios objetivos"
Hélio Correia reconhece que, de uma forma geral, todos os candidatos têm capacidade para exercer o cargo de chefe de Estado, mas lamenta que alguns insistam em fazer campanhas de insultos em vez de apresentarem os projetos que têm para o país e que outros apresentem "propostas equivocadas" e sem cabimento na Constituição guineense.
"Estas eleições vão ser um meio para a resolução dos problemas da Guiné-Bissau. O povo vai fazer um voto responsável, em consciência e com critérios objetivos naquele que seria, do meu ponto de vista, o candidato mais competente e mais preparado, que deu provas e inspira confiança no plano interno e externo", disse.
"Começamos a 10 de março com a eleição do Governo e precisamos de fechar este ciclo, escolhendo um Presidente da República que garanta a estabilidade governativa", acrescentou.
Para Hélio não restam dúvidas de que uma vez garantida a estabilidade governativa, a Guiné-Bissau conseguirá fortalecer as instituições, completar o ciclo de construção do Estado e "lutar contra o flagelo" das crises políticas.
Mais de 760.000 eleitores escolhem domingo entre 12 candidatos o futuro Presidente da Guiné-Bissau.
Em Portugal, estão inscritos para votar 2.143 eleitores, os mesmos das eleições legislativas de março, mas estimativas dos partidos guineenses e das associações da comunidade apontam que há 15 mil guineenses com capacidade eleitoral.
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