Diário de um pai em casa — Dia 15


“António, acorda. Está na hora, vamos levantar”.

Esta é a introdução habitual do meu diálogo matinal com o meu filho que veste na perfeição o papel de benjamim da casa. Está no 5º ano. Os outros três estão mais adiantados. A eles reservo, quase sempre, um “acordem”. É seco. Por vezes, parece impessoal. Admito. Mas, atenção, todos eles, a seu tempo, passaram pelo “vamos levantar”.

Num dia normal, o António pede mais uns minutos de sono, para num segundo depois entender que tem de se despachar com a velocidade de um corredor de 100 metros. Não gosta de chegar atrasado à escola.

Sabe, quase de cor, as aulas da primeira hora e quais os dias reservados à ginástica e ao judo, atividade extracurricular. Um conhecimento que, por si só, serve de cenoura para a correria pela casa antes de por um pé na rua.

Estes dias não têm sido normais. Longe disso. O António tem escola, mas não sai de casa. Ao meu pedido, ao meu abanão, após puxar a almofada como um mágico tira a toalha de uma mesa, devolve com uma pergunta que tem sido familiar. “Que dia é hoje?”. Uma interrogação que se explica por andar um pouco perdido com os dias. Tal como eu, por vezes.

Enchi o peito e, toldado por um misto de alegria e alívio, respondi. “6ª feira. É o último dia de escola. Hoje é o início de férias da Páscoa”.

Habituado que estou (estamos) a fazer contas à vida e a puxar pela cabeça para manter filhos ocupados durante este período (aulas de inglês, explicações, jogos de padel, aulas de surf, academias de râguebi, futeboladas, idas a casa de amigas, casa de avós), hoje nada disso me ocorre.

Confesso. Nunca a junção da frase “último dia de escola” com “início de férias” me soube tão bem. Nunca me saiu tão fluentemente. E nunca, no passado, me tinha arrancado um sorriso tão grande. Tanto assim foi que, embora, há muito soubesse que chegaria este dia, ontem nem dormi bem. Só de sonhar com o amanhã que chega.

Os sentimentos de alegria fizeram-me recuar no tempo. Ao tempo em que, a cada último dia que coincidia com a interrupção de aulas, corria disparado dos portões da escola, ia a matinés de cinema, feira-popular (em Lisboa), jantar fora, sair com amigos, beber e celebrar a efeméride, tudo numa dose adaptada à idade. Sinto-me uma criança, outra vez.

Hoje, não posso (podemos) sair disparados (ainda) para celebrar. Vou sair, sim, mas em reportagem fora de horas que poderá ser vista aqui no SAPO24.

Quando regressar darei seguimento a uma promessa feita. Vamos juntos, todos, eu e quatro filhos de distintas idades, fazer uma rave em casa. De séries, filmes, playstation, pinturas, brincadeira com bonecas, tudo até o sol nascer. Há gelados, chocolates, bolachas e uma garrafa de vinho, reservada para os adultos de casa.

Antes de esse momento chegar, despachei a ajuda dos últimos trabalhos. Até à última hora, para cumprir a intimidação de professores de entregar tudo até às 18h00.

Ainda não vi, nem quero ver por hoje, se há trabalhos para férias. Nem quero pensar.

Aproveito e deixo aqui um recado a escolas e professores. “Não enviem TPC’s”. Poupem-me uns dias de português, matemática, estudo do meio, inglês, aulas de música, educação visual e moral. Poupem este exército de pais que está na retaguarda.

Já me esquecia. Hoje o meu filho António andou por casa, o dia todo, de pijama. Aos restantes três filhos balbuciei: “vistam-se”. Dentro de hora teremos a nossa festa prometida. De uma libertação em pijama.