A festa foi mesmo Avante! Ainda que nos 30 hectares das quintas da Atalaia e do Cabo da Marinha, no Seixal, o certame político-cultural anual dos comunistas esteja a meio gás, a realidade é que a 44.ª edição está a decorrer. Limitada pelas restrições sanitárias devido à pandemia e em torno de muita polémica, mas a decorrer ainda assim. Contudo, o assunto já fez correr tanta tinta e discussão que é preciso recuar até maio último para perceber o que está em causa.
Primeiro, o verniz estalou quando o Governo decretou, no dia 7 de maio, que a realização de festivais de música até 30 de setembro estava proibida. O PCP repostou de imediato, reiterando que a Festa do Avante! não é "um simples" festival de música; é, sim, "uma grande realização político-cultural". Ora, o Governo não se ficou e emitiu, no mesmo dia, um decreto que abrangia "espetáculos de natureza análoga" — mas para apenas vinte e quatro horas depois se vir a saber que o decreto tinha uma alínea que permitia espetáculos "em recinto coberto ou ao ar livre, com lugar marcado".
Depois, foi a polémica em torno do parecer da Direção-Geral da Saúde (DGS). Em que condições se iria realizar o evento? Em que moldes? A 31 de agosto, e após muita pressão social e inclusive de Marcelo Rebelo de Sousa, o documento foi liberado e ficou a saber-se as regras: lotação total nos 16.563 (metade daquilo que o PCP pretendia), máscaras, lugares sentados e proibição de bebidas alcoólicas a partir das 20h00.
E, hoje, tal como em maio, parecem existir apenas duas formas de olhar para tudo isto: os que consideram que a festa devia de ter sido cancelada e os que consideram que a sua realização não devia de ter sido colocada em causa, tendo em conta a quantidade de eventos que já aconteceram (Feira do Livro, por exemplo) e que vão existir no futuro (Fórmula 1 e MotoGP). O sururu foi tanto que chegou lá fora e o New York Times chegou a dar título a uma peça em que o PCP tinha a possibilidade de receber 16.500 pessoas no evento após receber autorização das autoridades da saúde portuguesas.
Porém, os ecos de protestos não foram apenas ecos. Houve efetiva demonstração de desagrado com ações e não algo que saísse apenas da boca para fora. Antes da festa, um empresário de uma marca que fornece equipamentos a festivais e discotecas, entregou no tribunal do Seixal uma providência cautelar com o objetivo de impedir a sua realização (que não foi aceite) e houve uma marcha lenta que juntou mais de 60 automobilistas na freguesia da Amora, concelho do Seixal, onde decorre a festa. Assim como muitos habitantes de Amora também expressaram às televisões que não queriam que o evento prosseguisse.
Nada disto impediu o seu início, contudo. E, assim, os portões da Festa do Avante! abriram-se esta sexta-feira à tarde. Segundo os relatos da agência Lusa, duas horas após ter sido dado o mote inicial para os festejos, havia mais jornalistas e colaboradores do partido do que pessoas a assistir e a desfrutar do mesmo. Assim como houve tempo para comunicações. Uma dentro do recinto, na Atalaia, e outro fora.
"Querem-nos quietos, confinados, calados", dizia Jerónimo, num discurso não presencial como é habitual, mas reproduzido (com algumas falhas) nas colunas de som espalhadas pelo recinto. Fora dele, o Presidente da República dizia de sua justiça quanto ao evento. "Não escondo, e tive ocasião de dizer aos responsáveis do PCP, de uma forma cordial, mas muito franca, que a minha perceção não é tão otimista como a perceção da DGS e como a perceção do partido", considerou o Chefe de Estado.
Hoje, quando chegou ao recinto e instado a comentar a declaração pelos jornalistas, o líder do PCP lançou um desafio a Marcelo: fazer uma visita à Festa do Avante! como já o fez no passado, em vez de "dar uma mãozinha" ao "seu partido" com as suas dúvidas. A resposta do Presidente da República chegou antes do jogo de Portugal a contar para a Liga das Nações, explicando aquilo que realmente o apoquenta: "não é um problema estrito, [se] está bem organizado ou mal organizado, é a perceção que a opinião pública tem em relação ao acontecimento".
Quanto à festa em si, se no primeiro dia a maioria das cadeiras esteve vazia e tudo correu sem problemas e dentro das regras, ao segundo, parece que Ricardo Araújo Pereira provocou o primeiro ajuntamento do Avante!. No entanto, ao Observador, que diz terem estado mais de 300 pessoas espalhadas no local, o humorista comentou que "do que lhe dado ver, as regras estavam a ser cumpridas".
Amanhã, o terceiro e último dia, há comício desta tão polémica Festa do Avante!. Se o primeiro discurso de Jerónimo foi mais ou menos o esperado devido a tudo o que se passou, o segundo poderá ter outra dimensão. Por isso, será melhor aguardar e ver quem é quem tem razão no meio das críticas e defesas ao evento.
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