“Nunca vi nada que permitisse concluir que essa pessoa que citou tivesse tido tratamento fora das regras”, afirmou Santos Ferreira, em resposta ao deputado do PCP Paulo Sá, na comissão parlamentar de inquérito à CGD.
O presidente da CGD entre 2005 e 2008 repetiria depois a mesma ideia ao deputado do PSD Duarte Pacheco: “Nunca vi esse cliente em questão com tratamento fora do comum”.
Santos Ferreira vincou que “não há créditos por favor” na CGD, considerando mesmo que isso seria uma “ilegalidade”.
O empresário Joe Berardo tem sido dos clientes bancários mais referidos na segunda comissão de inquérito parlamentar à gestão da CGD.
O antigo presidente do conselho fiscal do banco público Eduardo Paz Ferreira sugeriu em 03 de abril, em audição no parlamento, que o empresário era um “cliente especial e à margem das regras” no banco.
Contou que numa reunião em que perguntou a um ex-administrador executivo do banco, responsável por operações envolvendo Joe Berardo, se o empresário era “tratado na Caixa como qualquer outro cliente”. “Não, isso eu não posso dizer”, terá respondido o ex-administrador.
De acordo com o relato de Eduardo Paz Ferreira, nessa reunião, sobre as operações que envolviam Joe Berardo, o administrador executivo começou por ficar “ofendidíssimo por ter sido convocado por uma comissão de auditoria”, tendo conduzido a reunião “de uma forma muito irritada, muito tensa”.
Em 20 de abril, CGD, BCP e Novo Banco entregaram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma ação executiva para cobrar dívidas de Joe Berardo, de quase 1.000 milhões de euros (962.162.180,21 euros).
A ação para cobrança da dívida tem como executados o empresário José Manuel Rodrigues Berardo (conhecido por Joe Berardo), a Fundação José Berardo – Instituição Particular de Solidariedade Social, a empresa Metalgest- Sociedade de Gestão e a empresa Moagens Associadas.
Um dos objetivos da ação é aceder às obras de arte da Coleção Berardo, sobre a qual o empresário tem um acordo com o Estado pela qual as obras de arte estão em exposição no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, até 2022, não podendo ser vendidas.
Segundo o Correio da Manhã, Joe Berardo só tem diretamente em seu nome uma garagem localizada na Madeira.
Os créditos concedidos pelos bancos a Joe Berardo serviram sobretudo para financiar a compra de ações do BCP, no âmbito da guerra de poder no banco de 2007.
Como garantia dos créditos, o empresário deu precisamente as ações do BCP que estava a comprar com os empréstimos, que entretanto desvalorizaram significativamente gerando perdas avultadas para a CGD.
“Não gostava de negar que houve erros”
Ao longo da audição, Santos Ferreira por várias vezes falou do eclodir da crise como um acontecimento inesperado que levou a perdas em créditos concedidos e citou análises da Goldman Sachs positivas para a economia pouco antes do romper da crise para justificar que pouco o fazia prever.
Perante a conclusão da deputada do PS Constança Urbano de Sousa de que atribuía o que aconteceu na CGD sobretudo a acontecimentos inesperados, o presidente da CGD entre 2005 e 2008 interrompeu para dizer que não negava a existência de erros na sua gestão do banco público.
"Não nego, também houve erros. Não gostava de negar que houve erros, era um período de euforia, tudo a correr bem e de um momento para o outro tudo desapareceu", afirmou.
"Podíamos ser mais cautelosos? Se calhar podíamos", acrescentou.
Relatório da EY é “fatuamente infeliz”
Na intervenção inicial na Comissão de Inquérito à CGD, Santos Ferreira considerou "factualmente infeliz" o relatório da EY que motivou a criação da atual comissão de inquérito.
Carlos Santos Ferreiras fez várias críticas ao trabalho da EY, referindo erros que diz ter detetado no documento (exemplificando com erros de datas sobre a aquisição de um banco pela CGD nos EUA, o Crown Bank), e considerou que o relatório tem "dados omissos, erróneos", assim como "dados de apresentação pouco cuidada e pouco profissional”.
O relatório da EY, que deu origem à atual comissão parlamentar de inquérito ao banco público, analisa concessões de crédito que acarretaram elevadas perdas para a CGD, vários dos quais durante a presidência de Santos Ferreira, de 2005 a 2008.
O antigo presidente da CGD considerou ainda que este processo tem permitido “juízos de valor lesivos” e que houve quem o tivesse aproveitado para “ajustes de contas pessoais ou políticas”.
O gestor disse que os bancos com que a CGD se compara também tiveram nos últimos anos de constituir elevadas imparidades (provisões para perdas com créditos), caso do BCP.
"Em momento algum aceito ser moralmente julgado com base em pressupostos que posso no mínimo classificar como ligeiros", afirmou Santos Ferreira.
Em janeiro deste ano foi conhecida a versão preliminar da auditoria da EY à gestão da CGD, em que são apontados problemas de concessão de créditos mal fundamentada, atribuição de bónus aos gestores com resultados negativos, interferência do Estado e ineficiências na gestão de risco.
Nesse documento divulgado pela comentadora Joana Amaral Dias a consultora avaliou sete operações de concessão de crédito com risco grave ou elevado e, só nestas, estimou perdas de mais de 1.000 milhões de euros, estando à cabeça as operações de financiamento da fábrica da La Seda, em Sines.
Ainda entre as operações com perdas elevadas estão empréstimos à Investifino (de Manuel Fino), para compra de ações da Cimpor dando ações do BCP e da Cimpor como garantia, Fundação Berardo, Auto-Estradas Douro Litoral e Vale do Lobo Resort.
(Notícia atualizada às 9h50 de 01/05/2019 - Acrescenta declarações sobre admissão de erros na gestão do banco e considerações sobre o relatório da EY)
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