Maria Benedita Urbano foi a juíza relatora do acórdão que na segunda-feira considerou inconstitucionais algumas normas do decreto sobre a morte medicamente assistida - decisão tomada por maioria de sete juízes contra seis - e votou a favor do ‘chumbo’, mas na sua declaração de voto ressalva que o acórdão “não reflete aquela que é a opinião de fundo da relatora sobre várias das questões aí tratadas”.
A juíza indicada pelo PSD, e eleita pelo parlamento em outubro de 2021, refere que no pedido dirigido ao TC, o Presidente da República solicitou que fossem apreciadas as normas constantes dos números 1 e 3, alínea b) do artigo 3.º do diploma, pedido que “não veio acompanhado de qualquer motivação específica”.
O artigo em concreto estabelecia no seu número 1 que “considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
Já o número três do mesmo artigo definia que a morte medicamente assistida “ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa, que se encontre numa das seguintes situações”, sendo a alínea b) referente à situação de “doença grave e incurável”.
“A partir desta parte do pedido, que não veio acompanhado de qualquer motivação específica, houve quem se sentisse legitimado a tratar de questões relacionadas com a morte medicamente assistida ou, mais concretamente, com a questão de saber se o legislador estabeleceu uma preferência pela eutanásia ativa ou se esta e o suicídio medicamente assistido foram colocados em alternativa, na mera dependência da escolha do doente. Foi decidido por maioria não conhecer desta última questão (…)”, relata.
O máximo que se poderia fazer, escreve a juíza, seria apreciar as normas em causa tendo em conta “a única e genérica fundamentação apresentada pelo requerente, exclusiva e explicitamente relacionada com a eventual falta de densificação e determinabilidade de certos conceitos indeterminados ou, em todo o caso, de certos aspetos da regulamentação jurídica da morte medicamente assistida”.
Maria Benedita Urbano ressalva que no pedido formulado por Marcelo Rebelo de Sousa, até ao ponto 8, o Presidente apenas faz uma descrição do processo até à data, e só a partir daí “começa a expressar as suas dúvidas quanto à (in)constitucionalidade de certos aspetos”.
“E, justamente, do ponto 8.º, inclusive, até ao ponto 11.º, o PR apenas expressa dúvidas relacionadas com questões de “densificação e determinabilidade da lei” e de “indefinição conceptual”. Sem mais! Se existe por detrás do pedido expressa e explicitamente formulado pelo PR alguma mensagem subliminar, algum pedido oculto, certamente que não está nas competências deste Tribunal efetuar exercícios de adivinhação”, conclui a juíza.
A juíza acrescenta que “não obstante as deficiências e insuficiências inicialmente assinaladas ao processo que rege o controlo da constitucionalidade, com particular destaque para a fiscalização abstrata” e sem desconsiderar “a qualidade de requerente institucional do PR, nem por isso deve deixar de entender-se que sobre ele impende um ónus de clareza e precisão na formulação do seu pedido”.
O Presidente do TC, João Caupers, também entregou uma declaração de voto depois de se ter posicionado contra a constitucionalidade de algumas normas, nomeadamente dos conceitos de “doença grave e incurável” e “lesão definitiva de gravidade extrema” e identificou mais duas inconstitucionalidades além das do acórdão.
Defende o juiz que “o efeito conjunto da eliminação das palavras fatal, referida à doença, e antecipação, referida à morte assistida descriminalizada, traduz um significativo alargamento dos casos desta: se a menção da fatalidade da doença permitia situar temporalmente os acontecimentos relevantes por referência ao momento provável da morte, a menção da antecipação desta reforçava a ideia de que aquela ocorreria seguramente num futuro próximo”.
“Agora, a doença já não tem de ser fatal, isto é, provocar inexoravelmente a morte; e esta já não tem de ser antecipada, na medida em que deixou de ser previsível o seu momento”, escreve.
Caupers ressalva ainda que “o legislador, ao admitir o suicídio assistido como modalidade de morte assistida, ao lado da eutanásia propriamente dita, obrigou-se a estabelecer uma relação entre as duas possibilidades”.
“Parecendo indiscutível que o suicídio assistido preserva um maior espaço de autonomia da vontade daquele que decidiu morrer – uma vez que é ele próprio que põe termo à vida –, a eutanásia não pode constituir uma alternativa livre: o recurso a ela deve estar condicionado à impossibilidade do suicídio assistido. Apenas desta forma se pode respeitar o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade”, defende.
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