“A razão de existir do populismo, aquilo que o define, é ser um poder destitutivo, ou seja, uma rebelião contra os partidos tradicionais, contra os políticos habituais, contra os grupos que apoiam esse sistema estabelecido e contra políticas vistas como desastrosas para o bem-estar, para a soberania e para a identidade dos povos”, explica José Pedro Zúquete, investigador do Instituto de Ciências Sociais.
“A descrição do populismo como uma espécie de grito de dor da democracia representativa é a meu ver muito adequada para descrever o momento em que vivemos”, afirma o especialista em sociologia política.
Zúquete frisa que a questão se prende “com a relação com a democracia”, porque “o populismo faz parte da democracia”, embora o crescimento do fenómeno possa ao mesmo tempo “pôr em causa a democracia”.
“O populismo assenta numa visão muito homogénea e monolítica do povo e do que entende ser a vontade popular. Por isso pode pôr em causa princípios basilares das democracias liberais, como os direitos individuais, os direitos das minorias e o próprio pluralismo político”, explica.
Cláudia Álvares, professora na Lusófona, também relaciona o crescimento do populismo na Europa com “uma desconfiança generalizada, que os líderes populistas exploram, nas instituições tradicionais da representatividade democrática”.
“O populismo não é uma ideologia, e por isso mesmo consegue fixar-se facilmente a diversas ideologias políticas. Ou seja, o populismo é mais uma encenação, um estilo, uma performance, tem muito a ver com a forma como se comunica, uma mobilização através dos afetos e das emoções”, explica.
Características que são acentuadas na medida em que “muitos líderes populistas comunicam diretamente com seus públicos sem recorrer a intermediários tradicionais, utilizando os novos ‘media’ para esse efeito”.
“Vemos isso no caso de Donald Trump, no caso de Jair Bolsonaro, pessoas que são exímias na comunicação perante grandes grupos, comunicando diretamente com eles”, exemplifica.
Especialista na área da comunicação, Cláudia Álvares explica que países onde o fenómeno do populismo é menos visível, como Portugal ou a Irlanda, devem-no à presença de “mecanismos tradicionais” como “o jornalismo de elite”, que “protege” o sistema do populismo, mas pode também acentuar o distanciamento entre os cidadãos e o sistema político.
“Porque protegem o jornalismo daquele populismo que talvez tornasse as pessoas mais permeáveis a extremismos, mas, simultaneamente, têm a faceta negativa que se traduz num menor grau da participação democrática da parte das massas na esfera pública”, explica.
Paula do Espírito Santo, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, aponta também como um traço do populismo ele surgir como “uma reação a um sentido extremo de crise” e “ao estado da política num determinado momento”.
“Em regra o populismo tende a surgir num contexto em que aparece como uma solução para algo que a democracia tradicional não consegue resolver ou para que os seus líderes não têm resposta”, afirma.
Além disso, “apresenta-se como uma solução paralela ou de certa forma acima da própria representação política convencional” e com “soluções que por vezes até conflituam com o que está previsto no Estado de Direito”, como as que “não contemplam a diversidade cultural, a liberdade de circulação, etc.”.
Uma vez no poder, refere Cláudia Álvares, este tipo de partidos ou movimentos tende a transformar-se.
“A partir do momento que são eleitos e começam a fazer parte das instituições da democracia representativa, os movimentos perdem o seu radicalismo, razão pela qual os movimentos populistas em geral não se coadunam muito bem com os cargos do poder”, afirma citando vários estudos sobre o exercício do poder por movimentos populistas.
No mesmo sentido, Paula do Espírito Santo afirma que os populistas “tendencialmente estão à margem do sistema” porque “as regras da democracia não são a melhor solução para as respostas que um líder populista quer apresentar”.
“O populismo é como a face de Janus, o deus romano. Tem uma face que pode eventualmente pôr em causa a democracia, mas tem outra que a pode regenerar”, sustenta José Pedro Zúquete.
Num quadro político caracterizado por “uma classe política enclausurada sobre si mesma e incapaz de se renovar, o movimento populista pode contribuir para abrir o sistema político quando este se encontra fechado”, explica.
“Ao contrário do que se costuma pensar, em vez de ser um sintoma de doença da democracia - Emmanuel Macron até já falou do populismo como uma lepra -, o populismo pode ser uma manifestação de vigor e saúde, ajudando na regeneração da democracia”, defende.
Para este investigador, o movimento dos 'coletes amarelos', em França, “é um símbolo perfeito do populismo atual na Europa”.
“Tem elementos de esquerda, elementos de esquerda radical, elementos anarquistas, mas também tem elementos de direita, elementos de direita radical, extrema-direita, todos aglutinados contra o poder estabelecido […] É a confluência de todos os extremos contra o que veem como um poder centrista, despótico, autoritário e que não se interessa pelas classes populares e pelas questões que na visão deles realmente interessam às pessoas”.
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