
Esta é uma das principais mensagens do novo policy paper da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que analisa o impacto da revolução tecnológica no mercado de trabalho em Portugal.
A mudança tecnológica leva muitas vezes a mudanças no mercado de trabalho, à medida que algumas profissões são transformadas ou substituídas por novas tecnologias.
Além disso, o aparecimento de tecnologias como inteligência artificial são cada vez mais uma ameaça real para vários trabalhos.
Os autores do policy paper alertam que 28,9% da força de trabalho do país (na qual se incluem empregados de mesa e de bar, operadores de equipamentos móveis e cozinheiros) corre sérios riscos de extinção.
Tecnologias de automação VS IA
Para conseguirmos perceber melhor o estudo é essencial distinguir estes dois conceitos.
A automação é o uso de tecnologia para realizar tarefas antes desempenhadas por humanos. Esta tecnologia pode ser de diversos tipos e com vários níveis de autonomia.
“Pensemos numa linha de produção fabril onde as máquinas têm instruções muito precisas e fixas – este é um exemplo de automação com a máquina que não tem autonomia, segue sempre o mesmo conjunto reduzido de ações”, exemplifica Pedro Vale, vice-presidente de engenharia para a área de Inteligência Artificial e Dados na Cegid.
Por outro lado, a IA pretende dotar as máquinas da capacidade de aprender e evoluir autonomamente e, como tal, conseguirem realizar tarefas para as quais não foram explicitamente programadas. São sistemas capazes de reagir e adaptarem-se ao ambiente em que estão.
“A IA pode ser usada como mais uma tecnologia de automação em casos onde as tarefas necessitam que o utilizador tenha a capacidade de aprender e de adaptar o seu comportamento ao ambiente envolvente. A condução autónoma é um caso claro de uma tarefa que necessita de IA para ser automatizada”, clarifica.
28,9% da força de trabalho do país (na qual se incluem empregados de mesa e de bar, operadores de equipamentos móveis e cozinheiros) corre sérios riscos de extinção.
Afinal quais são as profissões em risco?
O estudo atribui a cada profissão da força de trabalho um de quarto “terrenos de digitalização”:
- Profissões em ascensão: têm potencial para usufruir de ganhos de produtividade relacionados com a IA, ao mesmo tempo que estão salvaguardadas dos efeitos destrutivos da automação. Ex.: professores de ensino básico e educadores de infância, especialistas em vendas, marketing, finanças e contabilidade.
- Profissões em colapso: Competências que correm mais risco de desaparecimento a breve prazo estão associadas ao trabalho físico e manual e trabalho com máquinas.
- Terreno dos humanos: o mais representativo em Portugal, agrupa os empregos que correm baixo risco de automação, também não têm potencial para serem alavancados por IA. Ex.: Trabalhadores de limpeza em casas particulares, escritórios e hotéis, técnicos de atividade física e agricultores qualificados integram a lista destas profissões.
- Terreno das máquinas: profissões que estão numa encruzilhada em que as mesmas forças tecnológicas que permitem a sua transformação também ameaçam a sua existência. Ex.: Empregados de escritório, operadores de máquina do fabrico de produtos alimentares, empregados de serviços de apoio à produção e transportes.
O estudo
O vice-presidente de engenharia para a área de Inteligência Artificial e Dados na Cegid aponta para uma “análise realista e moderada da elasticidade do mercado de emprego”.
O especialista vê com bons olhos o destaque positivo das “profissões em ascensão”, onde a automação e a IA têm uma penetração profunda e um contributo para o aumento da produtividade laboral.
Já nas «profissões em colapso», Pedro Vale tem uma opinião diferente: considera que depende de cada um de nós tirar ou não benefício do impacto da IA nas várias profissões.
“O estudo traça talvez um futuro demasiado pessimista em relação a profissões como os empregados de mesa e de bar, operadores de equipamentos móveis e cozinheiros, as apelidadas «profissões em colapso». O contacto com humanos é, para nós, não um luxo opcional, mas uma necessidade”, sublinha.
As assimetrias do futuro digital
“Tendo em conta a velocidade de transformação e de evolução destas tecnologias, esta antecipação é naturalmente bastante falível”. No entanto, Pedro Vale explica que é útil para fazer uma reflexão geral do tema, sem “estarmos presos a uma profissão específica”.
O estudo revela ainda uma geografia desigual da transformação digital.
Lisboa, Porto, Coimbra e Vila Real estão melhor posicionadas para colher os benefícios da IA.
“É nestes distritos que se concentra a atividade que já é digital. Tanto a nível desenvolvimento de software como de serviços relacionados com tecnologia, os pólos mais expressivos em Portugal estão nestes distritos. Naturalmente, por serem “nativos digitais”, o benefício da IA e da transformação digital acaba por ser mais imediato”, explica o especialista.
No caso de Braga, Viana do Castelo ou Viseu, distritos mais expostos ao risco, o estudo alerta para a necessidade de políticas públicas mais exigentes nas áreas mais vulneráveis à tecnologia.
O contacto com humanos é, para nós, não um luxo opcional, mas uma necessidade
- Pedro Vale
Os programas escolares têm de ser diferentes na Era da IA
O estudo aponta como urgente a necessidade de fazer alterações no currículo académico a par da evolução da tecnologia.
Pedro Vale, deixa uma proposta de mudanças concretas que deviam ser aplicadas:
- Ensinar IA no ponto de vista do utilizador.
“A IA é mais uma ferramenta poderosa que pode ser usada no contexto profissional e pessoal e, por isso, devemos ensinar as nossas crianças e jovens a utilizá-la de forma eficaz e responsável.
- Apostar em disciplinas que estimulem e desenvolvam o sentido crítico e a capacidade de análise
“Umas das principais tarefas do contexto profissional futuro será rever o trabalho feito pela IA. Por isso, é fundamental que quem reveja esse trabalho tenha o espírito crítico necessário para o fazer”.
- Valorizar disciplinas promotoras de pensamento
“Não se limita às ciências exatas (como Matemática ou Física), embora estas ajudem. Disciplinas como a Filosofia, que ensinam a pensar, serão cada vez mais importantes neste futuro potenciado pela IA”
A requalificação será necessária também para as profissões que não estão em risco de automação, sublinham os autores do estudo, lembrando a necessidade de garantia de empregabilidade a longo prazo. Por isso, enfatizam a crescente importância para o futuro de competências como a comunicação, a criatividade ou a resolução de problemas.
Em termos do ensino básico obrigatório, apesar de não ser “especialista em educação”, Pedro Vale considera que no 1º ciclo deve ser privilegiada a criatividade e o desenvolvimento emocional das crianças. “A Inteligência Artificial deve ser introduzida no 2º ciclo como parte do currículo de TIC”, sugere.
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