A moção de censura só teve os votos a favor dos 52 deputados do VOX, que apresentou a iniciativa, e de um antigo membro o partido de direita Cidadãos.
Além disso, houve 91 abstenções, 88 delas de toda a bancada do Partido Popular (PP, direita), a maior força da oposição em Espanha.
A abstenção do PP valeu-lhe, ao longo de dois dias de debate parlamentar da moção de censura, reiteradas acusações de aproximação à extrema-direita, para deixar em aberto a possibilidade de coligações que o levem ao poder num ano em que Espanha tem eleições municipais em 12 das 17 regiões autónomas em 28 de maio e legislativas nacionais em dezembro.
O PP, através da deputada Cuca Gamarra, condenou a moção de censura, que considerou “extemporânea e inútil”, por haver necessariamente eleições dentro de meses, mas também por ser “um presente” ao Governo de Sánchez, uma coligação de socialistas da plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, que assim pôde “exibir uma unidade que não tem” e conseguir “uma vitória parlamentar”, após várias semanas de conflitos e divisões publicamente assumidas entre os dois parceiros no executivo.
Coube a Sánchez e à líder da Unidas Podemos, a ministra do Trabalho e uma das vice-presidentes do Governo, Iolanda Díaz, defender o executivo no debate, tendo ambos mostrado total alinhamento na defesa do que foi alcançado nesta legislatura e no trabalho de todos os ministros.
Cuca Gamarra, que é a líder parlamentar do PP no Congresso dos Deputados de Espanha, disse ainda que a moção de censura do VOX não representa o projeto do partido, mas não votou contra por respeito à pessoa que a extrema-direita convidou para encabeçar a iniciativa, o antigo dirigente do Partido Comunista espanhol e economista Ramón Tamames, de 89 anos, com quem disse ter encontrado “algumas coincidências no relato”.
A legislação espanhola prevê que as moções de censura incluam o nome da pessoa que automaticamente liderará o Governo caso sejam aprovadas, tendo o VOX optado por Ramón Tamames, que foi preso político durante a ditadura e, já em democracia, deputado em diversas legislaturas e por diferentes partidos, da extrema-esquerda do Partido Comunista a outras formações mais ao centro e moderadas.
Tamames encontrou agora no VOX uma plataforma de entendimento nas críticas aos acordos de Sánchez com nacionalistas e independentistas do País Basco e da Catalunha, que a extrema-direita considera “inimigos de Espanha” e uma ameaça à unidade e integridade territorial do país previstas na Constituição de 1978, que marcou a instituição formal da democracia.
Ao longo de dois dias de debate, Tamames foi ouvindo críticas da generalidade dos partidos, por com esta moção de censura e o seu percurso político “branquear” a ideologia e propostas antidemocráticas, xenófobas e revisionistas da história recente de Espanha relacionada com a guerra civil de 1936-39 e a ditadura do general Francisco Franco que se seguiu.
Por diversas vezes Tamames ouviu que foi usado pelo VOX, partido que tem nas suas filas “orgulhosos herdeiros” do franquismo, tendo o economista respondido que a história deve ser deixada aos historiadores e lamentado a impossibilidade de consensos na política espanhola atual, como aconteceu na designada “transição”, o período entre a morte de Franco, em 1976, e a aprovação da Constituição de 1978.
“Isto não é uma sessão parlamentar, é um comício preparatório das eleições”, afirmou, no final de dois dias de debate em que protagonizou momentos inéditos e caricatos, como interromper o primeiro-ministro durante uma intervenção, criticar os deputados falarem demasiado e sem cordialidade ou esquecer-se de falar no único ponto do plano de ação da moção de censura que apresentou – a antecipação das legislativas nacionais de dezembro para maio.
“Está a haver muitos ‘memes’ [piadas nas redes sociais], mas isto não tem graça”, disse na terça-feira o deputado Iñigo Errejón, do partido de esquerda Mais País, numa síntese na tribuna do parlamento do sentimento de que a moção de censura do VOX encabeçada por um antigo dirigente comunista que na verdade não queria liderar o Governo foi “um circo, um disparate, grotesca” e um desprestígio do parlamento, como nos últimos dias repetiram políticos, analistas e os próprios deputados.
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