Na audição de quarta-feira da comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da energia, um dos temas centrais foi a extensão do domínio hídrico à EDP e os cálculos que determinaram o valor que a elétrica pagou pela extensão dos contratos de 27 barragens, decididos quando Manuel Pinho era ministro da Economia, processo que Vítor Batista acompanhou enquanto administrador da REN, e que disse ter sido feito "à pressa" e em "contrarrelógio".
Instado pelo deputado do BE Jorge Costa a relatar o "filme da negociação", Vítor Batista começou por recordar que "no final de novembro, início de dezembro" de 2006, recebeu uma mensagem interna da equipa técnica da REN de que tinham "praticamente chegado a acordo no critério e nos valores".
"Passado dois ou três dias, recebo um mail do senhor diretor-geral de Energia [Miguel Barreto] em que me pede cálculos a utilizar taxas diferentes de atualização. Eu fiquei muito espantado com aquilo, porque a informação que tinha não era aquela e não recebi qualquer chamada de Manso Neto [que representava a EDP nas negociações] ou de outra pessoa da EDP a 'desconfirmar'", disse.
Recordando que falou então com Miguel Barreto, por telefone, a expor a posição da REN, Vítor Batista sublinhou que este lhe terá "falado na posição da EDP".
"Eu continuei as minhas discussões com Miguel Barreto e, logo no início dejaneiro, ele chama-me a atenção por telefone que ainda não tinha enviado os cálculos finais que ele tinha pedido", relatou.
O antigo administrador garante que tentou "fazer valer os argumentos da REN", e assume que não deve ter conseguido, deixando claro que nessa altura "tinha de avisar alguém direito da diferença de critérios".
"Havia bastante pressa do Governo. Falei com o engenheiro Penedos e disse: 'nós temos de enviar esta nota' [com os critérios defendidos pela REN]. Foi uma discussão a dois. Não havia tempo para ir novamente a Conselho de Administração", explicou.
Vítor Batista revelou o que o então presidente da REN José Penedos lhe disse: "Oh Vítor, você é independente, por isso, exerça o seu direito". E foi o que o que fez, garantiu aos deputados o engenheiro.
"Às 11:30 envio para Castro Guerra [então secretário de Estado da Energia] o estudo REN e nesse estudo está lá uma alínea em que se estabelece bem qual é o critério e às 20:00 envio a Miguel Barreto os cálculos que ele tinha pedido", concretizou.
No filme dos acontecimentos, segue-se a convocatória para ir ao Ministério da Economia "para ter uma reunião com o assessor Rui Cartaxo", na qual "houve um debate" e garante que manteve "a opinião da REN".
Depois de um envio do modelo da REN solicitado por Rui Cartaxo no dia seguinte, Vítor Batista não ouviu mais falar deste assunto até sair a "resolução de Conselho de Ministros 50/2007 de 28 de março", que "fala na transmissão dos direitos do domínio hídrico, estabelece o valor do equilíbrio económico-financeiro através de duas avaliações independentes".
"Eu aqui fico a saber que há duas entidades que vão fazer essa avaliação. O decreto-lei fixa o valor: 759 milhões de euros. Aqui lembro-me em reunião do Conselho de Administração comentar isto com o engenheiro Penedos, foi uma surpresa porque não tínhamos tido mais nenhum contacto", confessou.
Para o antigo administrador da REN, "existem dois pontos de vista em confronto", um defendido pela REN e outro defendido pelo produtor, a EDP, cuja "diferença de valores anda à volta dos 400 milhões de euros".
Ainda questionado pelo deputado bloquista sobre a sua saída do Conselho de Administração da REN em 2010, altura em que o Estado ainda era o principal acionista da gestora das redes energéticas, Vítor Batista disse desconhecer o que esteve por trás da decisão, referindo que “é um tema dos acionistas”.
“Os acionistas não quiseram que eu continuasse no CA, eu saí. O engenheiro [José] Penedos já não estava [na liderança da REN], quem era interinamente presidente era o doutor Rui Cartaxo, por causa de um problema judicial, que julgo que sabem”, afirmou, aludindo ao facto de José Penedos ter sido constituído arguido no processo Face Oculta e ter sido suspenso de funções.
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