"Faz-me muito medo, faz-me, muito sinceramente, muito medo. A insegurança, a instabilidade", contou à Lusa Ivone Cabral, a viver na RDCongo há 14 anos.
A gestora, de 58 anos, é uma das cerca de 700 portugueses - segundo dados oficiais - que vivem na RDCongo e admite que "a população está cansada do Presidente [Joseph Kabila, que não pode concorrer a um novo mandato] que tem", o que leva a que haja um sentimento comum de "receio do que possa vir a acontecer".
Ainda assim, Ivone Cabral assinala que é necessário que algo mude no país, antiga colónia belga e independente há mais de meio século.
"É urgente que as coisas mudem drasticamente. Há pessoas a morrerem de fome, que não têm dinheiro para mandar estudar os filhos, que não têm dinheiro para pagar a renda", contou a gestora à Lusa, por telefone.
"Tem que mudar, e infelizmente não vai mudar da melhor forma", antevê a portuguesa, lembrando que a expulsão, esta semana, do representante da União Europeia (UE) no país não foi vista "com bons olhos", indício que considera "muito mau".
Miguel Morado tem 35 anos e nasceu em Braga. Estudou na agora encerrada escola portuguesa de Kinshasa e lembra que as dificuldades, no país, são constantes.
"A situação não está boa. Para quem tem atividades por cá, só se pretende continuar a trabalhar da melhor forma possível", contou.
"Sabemos os riscos que corremos, tem de haver sempre muito cuidado para não se estar no local, momento e hora errada", assinalou o português, que conta já 29 anos em território congolês.
Miguel Morado, que tem atividades no país nos setores mineiro e madeireiro, acredita que o país retome a normalidade depois das eleições, até "para que todos os setores da economia se relancem".
Segundo o empresário, "o país está estagnado devido a este impasse das eleições", que se arrasta desde 2016.
Receios transmitidos por outros portugueses contactados pela Lusa em Kinshasa, mas que optaram por não prestar declarações, por receios com a segurança.
A violência foi uma constante durante a campanha eleitoral que terminou na sexta-feira, tendo a organização não-governamental (ONG) Associação Congolesa de Acesso à Justiça (ACAJ) contabilizado pelo menos dez mortos, a maioria durante comícios da oposição e em manifestações contra o candidato da coligação no poder - a Frente Comum para o Congo (FCC).
"Estes conflitos têm existido sempre, só que de forma camuflada", sublinhou a portuguesa Ivone Cabral, que assinalou a volatilidade no país.
"Num momento de raiva, num momento de ódio, num momento de ira, basta alguém dizer ‘ele fez-me isto’ ou ‘ele disse aquilo’, que independentemente de ser verdade ou não, os outros vão atrás, e Kinshasa é uma cidade com 17 milhões de pessoas", disse.
À Lusa, fonte oficial da embaixada de Portugal em Kinshasa garantiu a existência de condições de apoio à comunidade portuguesa nas instalações na capital congolesa, caso seja necessário.
De acordo com os mais recentes dados dos registos consulares da embaixada portuguesa, há cerca de 700 portugueses a viver na RDCongo, a grande maioria (570) na capital, Kinshasa, disse à Lusa fonte da secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
Há ainda uma comunidade de cerca de uma centena de portugueses na cidade de Lubumbashi e outros pequenos núcleos em Kisangani e Kananga.
Estes números representam apenas inscrições consulares, não contabilizando entradas e saídas do país.
Para as eleições de domingo são esperados cerca de 40 milhões de eleitores naquele que é o segundo país mais populoso de África.
No total, a Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) da RDCongo aprovou 21 candidaturas às presidenciais, destacando-se as candidaturas de Emmanuel Ramazani Shadary, Martin Fayulu, e Félix Tshisekedi.
Inicialmente previstas para 2016, as eleições de 30 dezembro foram já adiadas duas vezes, e, além de presidenciais, irão ainda permitir a escolha de representantes parlamentares a nível nacional e provincial.
O exercício eleitoral deverá contar com cerca de 270.000 observadores nacionais e internacionais, tendo o Governo vetado a presença de algumas missões internacionais, incluindo da União Europeia e da Fundação Carter, o que leva a oposição a suspeitar da existência de fraude.
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