As eleições na Islândia, que decorrem este sábado, podem levar o Partido Pirata (PP) ao poder. Este partido pode conseguir mais de 22% dos votos e, segundo uma sondagem do Instituto de Investigação de Ciências Sociais da Universidade da Islândia, lidera a intenção de votos à frente do partido Independente, atualmente no poder.

O PP é descrito como um "partido que favorece a democracia direta, uma completa transparência governamental, a descriminalização das drogas e oferece asilo a Edward Snowden".

O partido foi criado inicialmente em 2006 na Suécia por Rick Falkvinge, tendo-se espalhado a outros países, incluindo Portugal. O seu "grande sucesso é a continuada presença no Parlamento Europeu".

Na Islândia, está bem colocado nas sondagens para as eleições, podendo ganhar entre 18 a 20 cargos parlamentares, o que obriga a uma coligação parlamentar (qualquer partido ou coligação pode liderar um governo em maioria com apenas 32 parlamentares eleitos).

Nas últimas eleições, em 2013, o PP conseguiu apenas 5% dos votos - o suficiente para lhe garantir três dos 63 lugares no Parlamento islandês. As atuais eleições foram antecipadas após a divulgação dos "Panama Papers", que implicaram o primeiro-ministro Sigmundur Gunnlaugsson na colocação de dinheiro da família em "offshores".

O partido é atualmente liderado pela sua líder parlamentar Birgitta Jónsdóttir, que já afirmou não pretender coligações pós-eleitorais, nomeadamente com o partido de centro-direita independente ou com o partido progressista de centro, preferindo uma coligação pré-eleitoral para os eleitores saberem o "valor do seu voto". Isto porque, segundo diz, as coligações pós-eleitorais permitem "esconder" os compromissos dos candidatos a formar governo.

Na opinião de Jónsdóttir sobre o PP "somos hackers dos nossos atuais sistemas desatualizados de governo", afirma. "Queremos ser o Robin dos Bosques do poder", para tirar este "aos poderosos e dá-lo ao público em geral da Islândia".

A origem dos "piratas"

Neste cenário político, convém entender a origem deste tipo de partido e foi isso que fez o investigador Rodrigo Saturnino esta semana. Em "A Política dos Piratas: informação, culturas digitais e identidades políticas", o sociólogo do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa explica a emergência dos Partidos Piratas, com o objetivo de "dar a conhecer a trajetória deste movimento e interpretar, de um ponto de vista sociológico, a formação de novas identidades políticas baseadas na luta contra a privatização da informação e a colonização da Internet".

Segundo o autor, "o livro propõe que o processo de institucionalização do Partido Pirata reitera, entre outras coisas, a entrada da informação na esfera política e a sua transformação em um dos mais importantes eixos de disputa de poder nas sociedades digitais" e "conclui que a política dos piratas está inserida em uma continuidade histórica marcada por intensos confrontos geopolíticos no âmbito da violação dos monopólios, onde a mercadorização da informação e da cultura, nomeadamente a partir da utilização da Internet, apresenta-se como um dos mais conflituosos".

Analisando este tipo de partido na Alemanha, Brasil, Portugal e Suécia, "a pergunta de partida orientadora" da tese foi saber de "que forma se desenvolvem as identidades políticas dos membros dos Partidos Piratas".

A criação do primeiro Partido Pirata visou levar o direito de autor "para o debate político, questionando as origens e as formas de legitimidade que o setor privado dispunha para monopolizar a informação e restringir a autonomia civil no exercício de seu direito de partilhar ficheiros em âmbito doméstico e sem fins comerciais".

Se "as tecnologias da informação providenciaram uma diversificada convergência na produção de novos protagonismos sociais e na criação de novas formas de lutas políticas", este tipo de partidos "integra o quadro evolutivo e impulsionador que a tecnologia da Internet providencia aos agentes sociais nos processos de interação simbólica com os produtos e bens que emergem da digitalização da informação".

Piratas portugueses e democracia

Saturnino analisa igualmente a origem da pirataria, para explicar o seu uso e terminologia atual.

Uma utilização inicial do termo está "nos textos da Odisseia de Homero e designava, de forma negativa, o confisco e a revenda da propriedade privada. Até ao ano de 1700, a pirataria serviu de recurso cambiante para identificar os atos que violavam o direito soberano do Estado ou dos comerciantes sobre suas propriedades através da invasão de seus domínios marítimos".

Segundo o autor, "conta a história que o primeiro e mais famoso “código da pirataria” foi escrito por Bartolomeu, um pirata português que viveu no século XVII, tendo sido utilizado por outros piratas".

Este código tinha semelhanças com a atual democracia defendida pelos PP: "o quotidiano dos piratas estava marcado por estruturas orientadas por ideais em que a participação popular era privilegiada. Quer dizer que a tripulação era dotada de poder para eleger o capitão, sendo que este não tomava decisões sem antes consultar os seus comandados".

Aliás, uma questão a que Falkvinge tinha normalmente de responder no início do PP era porque "quem, no seu perfeito juízo, gostaria de ser associado à figura abjeta de um criminoso dos mares, principalmente no campo da política partidária".

Se em 2012 o site dos piratas suecos defendia apenas três questões (reformar a lei do direito de autor, abolir o sistema de patentes e respeito pelo direito à privacidade), a sua postura atual passou a um quadro mais abrangente, segundo o sociólogo do ICS, visando:

1) defender a liberdade de expressão, comunicação, educação; respeito à privacidade dos cidadãos e os direitos civis em geral;

2) defender a liberdade de fluxo de ideias, conhecimento e cultura;

3) apoiar politicamente a reforma dos direitos autorais e leis de patentes;

4) trabalhar de modo colaborativo e participativo com o máximo de transparência;

5) não aceitar ou adotar políticas de discriminação de raça, origem, crenças ou género;

6) não apoiar ações que envolvam a violência;

7) utilizar softwares com códigos abertos, "free hadware", DIY e protocolos abertos sempre que possível;

8) defender politicamente a construção aberta, participativa e colaborativa de qualquer política pública;

9) democracia direta;

10) acesso aberto;

11) dados abertos;

12) economia solidária, economia para o bem comum e promoção da solidariedade entre os piratas;

13) partilhar sempre que possível.

Este sábado, a Islândia decidirá se pretende este tipo de democracia "pirata".