A maioria dos que hoje à tarde se encontravam em dois dos sete locais de votação na Grande Lisboa, onde a Lusa esteve - embaixada da Guiné-Bissau e Reboleira (Amadora) - emigrou por motivos de saúde e assim descobriu um país, Portugal, onde ficou para trabalhar e estudar.

Dilsa Vaz, licenciada em medicina, e a trabalhar em Portugal na área da medicina do trabalho foi uma das pessoas que emigrou para Lisboa, por causa da gravidez de risco da sua primeira filha.

Chegou por uma questão de saúde, mas acabou por ficar com o marido e filha. Os dois estudaram por cá e acabaram as respetivas licenciaturas, agora trabalham e querem ganhar mais conhecimento, como dizem, enquanto esperam por mudanças no seu país, a Guiné-Bissau.

Hoje eram os últimos de uma fila de dezenas de pessoas que ainda se encontrava na assembleia de voto da Reboleira às 16:00. Mas rapidamente passaram a estar entre os primeiros, porque já no carrinho traziam a segunda filha, nascida há duas semanas e entraram nos "prioritários".

"Tenho esperança que aquilo comece a caminhar em frente em vez de estar como estava", disse Dilsa Vaz em declarações à Lusa, sobre a razão por que estava ali para votar.

"Vim [para Portugal] porque tinha melhores condições para a minha filha nascer saudável", e a educação "tem lá, mas em comparação aqui é melhor".

Dilsa acredita que a mudança passa pelo Domingos Simões Pereira, o candidato do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

"Eu não tenho nenhum partido político mas aposto no Domingos Simões Pereira", afirmou.

Tal como Dilsa, o marido, Jerocelino Dias Vaz, também ia votar no mesmo candidato, bem como a maioria dos que se encontravam hoje à tarde a votar na embaixada da Guiné em Lisboa e na Reboleira, com quem a Lusa falou.

Para Nancy Cardoso, jovem estudante e ativista em Portugal, que hoje saiu da Reboleira, onde a fila avançava "lentamente" pela manhã, como descreve, para votar nas Mercês (Sintra), o facto de o país "estar a ter agora eleições já é muito importante".

Este dia foi para ela "muito bom".

"É inexplicável. Porque é a primeira vez que estou a votar. Nunca antes tinha votado, mas além disso é um voto com muito orgulho. É um voto assim de revolta, de muita convicção, forte e responsável", afirmou a jovem guineense que escolheu Portugal para estudar depois de ter passado, também como estudante, pelo Brasil.

A sua aposta vai, como a de muitos, para o PAIGC e explica porquê: "Acredito na capacidade do novo líder do partido, na sua responsabilidade de fazer política".

"Espero uma nova Guiné (...) Com muita paz e estabilidade", diz Élia Carlos Gomes, outra das jovens guineenses que votou na assembleia de voto da Reboleira, onde entrou pelos "prioritários", com um filho pequeno às costas.

Para Élia, a Guiné tem "muitas coisas boas" e só não vai para a frente "por causa dos políticos, [porque] cada um quer para o seu bolso e esquece o povo".

"A Guiné é rica de peixe. Temos mar, floresta, madeira. Temos tudo", frisou.

Mas "com o doutor Domingos Simões Pereira tudo vai mudar", defende Élia Gomes.

"Ele é um homem capaz e firme", considerou, admitindo, porém, que o tráfico de droga no país não tem ajudado à estabilidade que tanto ambiciona para a Guiné-Bissau, onde quer regressar para exercer atividade na área do turismo, dando utilidade ao curso de agente e técnica de turismo que tirou em Lisboa.

A droga "está a estragar o país e os guineenses sabem que há muito partido político envolvido”, afirmou.

Quanto ao que quer ver mudado no país diz: "as escolas, as estradas, os hospitais".

Maria Dias, bem menos jovem, quer o mesmo que Élia para poder regressar à Guiné-Bissau: "tranquilidade e medicação". Por isso tinha acabado de votar, ao início da tarde de hoje, na embaixada do país em Lisboa.

Tal como Élia, que veio para Lisboa para dar assistência ao pai, que saiu do país doente, também Maria Dias veio com um problema de saúde.

"Queremos que a Guiné vá sempre em frente", afirmou Maria, manifestando a esperança nestas eleições e tal como Élia no candidato do PAIGC.

Ismael Bari, também à porta da embaixada é de outro partido, o Partido da Renovação Social (PRS, segunda maior força política do país), mas o lema para o país é o mesmo. Por isso apela aos dirigentes da Guiné "para que coloquem os interesses dos guineenses acima dos pessoais”, disse. "Somos guineenses e temos que nos entender", concluiu.

E até Cadi Kulabi, que não votou hoje por não ter conseguido recensear-se, mas estava desde manhã a vender frutos secos à porta da embaixada da Guiné em Lisboa, o sonho para o país é o mesmo: "tranquilidade, saúde e educação".

Cadi chegou há 15 anos a Portugal, precisamente por causa de um problema de saúde complicado e por Lisboa ficou.

Vai todos os anos ao seu país e continua fiel ao crioulo, preferindo falá-lo mesmo quando dá entrevistas, mas recusa-se a dizer o que sentiu que mudou nestes 15 anos na Guiné-Bissau.

“Nem sei o que sinto”, comenta.

O que sabe é que enquanto a Guiné estiver como está não regressa como a maioria dos que gostariam de voltar mas por cá vão ficando como imigrantes.

Segundo dados do presidente da mesa na embaixada guineense, Ibrahim Seidi, até às 15:00 tinham votado 218 pessoas do total de 452 votantes.

Estas eleições legislativas na Guiné-Bissau contaram com 2.143 eleitores registados em Portugal, após um processo de recenseamento que o embaixador guineense em Lisboa, Hélder Vaz, considerou o mais difícil em 25 anos de democratização.

O diplomata explicou que os serviços da embaixada tiveram apenas disponível um equipamento para recensear "um universo que se previa de 15 mil pessoas" e que não foi possível sair da região da grande Lisboa.

Mais de 761 mil eleitores da Guiné-Bissau foram hoje chamados às urnas para escolher o novo parlamento, numas eleições que visam pôr fim à crise política que o país atravessa há mais de três anos.

Entre os 21 partidos políticos que se candidatam às eleições, destacam-se o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), vencedor das legislativas de 2014, e o Partido da Renovação Social (PRS), segunda maior força política do país, mas que esteve no Governo da legislatura que agora termina.

Na corrida participa também o Movimento para a Alternância Democrática (Madem), criado há oito meses por um grupo de dissidentes do PAIGC.

As eleições legislativas de hoje visam acabar com a crise política que existe no país desde 2015, quando o Presidente guineense, José Mário Vaz (PAIGC), demitiu Domingos Simões Pereira do cargo de primeiro-ministro, depois de o PAIGC ter vencido as eleições em 2014 com maioria absoluta.