Desde as eleições regionais de 2015, o executivo liderado pelo social-democrata Miguel Albuquerque - que concorre este mês a um segundo mandato - tem criticado constantemente a falta de apoios nacionais, dirigindo muitas acusações ao primeiro-ministro, António Costa, que tomou posse no mesmo ano. O socialista tem ‘devolvido’ as críticas e diz que Albuquerque “tem duas personalidades”.

Já na campanha para as legislativas regionais um dos temas fortes foi a necessidade de reduzir a taxa de juro (de 3,375%, acrescida de um ‘spread’ de 0,15%) que a região estava a pagar pelo empréstimo contraído em 2012, no valor de 1.500 milhões de euros, ao abrigo do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro.

António Costa defendeu na altura que não fazia sentido a República não reduzir a taxa, mas só com a proposta de Orçamento do Estado para 2019 houve uma redução para 2,8%.

A reivindicação de apoios e a rejeição da "imposição colonial a partir de Lisboa", como descreveu Albuquerque, têm sido temas constantes nos plenários da Assembleia Legislativa, com outros partidos da oposição regional a queixarem-se também de incumprimentos e do "esquecimento" a que o Estado vota o arquipélago, enquanto o PS/Madeira condena a política "trauliteira" do PSD, a falta de capacidade de diálogo do Governo Regional e o uso da autonomia política como "arma de arremesso contra a República".

Também na Assembleia da República é comum os deputados eleitos pelo círculo madeirense lamentarem o tratamento dado à região, como no caso do subsídio social de mobilidade.

A proposta de alteração ao decreto que regula a atribuição deste subsídio aos residentes e estudantes nas viagens para o continente (pagam 86 e 65 euros, respetivamente, cabendo ao Estado as indemnizações compensatórias com os operadores) esteve meses na Assembleia da República e só no último dia da passada legislatura é que subiu a plenário para votação global final. Foi aprovada por maioria, devendo entrar em vigor em 2020.

A tensão institucional entre a região e Lisboa tem décadas, com muitas declarações polémicas de Alberto João Jardim (PSD), presidente do Governo Regional durante quase 40 anos, sempre com maiorias absolutas, e que não poupou críticas mesmo quando o Governo central era do seu partido.

Por inúmeras vezes Jardim apontou erros aos "senhores de Lisboa" e insistiu na necessidade de uma revisão constitucional para dar mais autonomia à região.

"A relação da Madeira com o Estado sempre foi feita de uma forma reivindicativa, conflituosa e quase beligerante", diz à Lusa a investigadora Teresa Ruel, doutorada em Ciência Política e autora da obra "Oposição e Democracia na Madeira", referindo que esse relacionamento é "repescado" sempre que a região não vê satisfeitas as reivindicações.

Todavia, sublinha, a autonomia política só existe em negociação e coordenação com o Estado e, em primeira ou última instância, as regiões autónomas são um produto da organização do Estado e do seu poder no território.

"Os governos negoceiam, os governos cooperam, não andam, passo a expressão, à estalada e aos murros na mesa", observa, referindo que nos Açores esta conflitualidade nunca existiu, independentemente da força política no poder regional ou nacional: “O relacionamento institucional sempre foi feito na base da cordialidade, muito apaziguador, nunca conflituoso".

Adelino Maltez, licenciado em Direito e doutor em Ciências Sociais na especialidade de Ciência Política, entende que esta tensão "não tem nada de dramático".

"Acho que desde que nasceu o regionalismo foi sempre assim", afirma, realçando que "o oxigénio fundamental é a existência dessa turbulência no relacionamento entre as regiões autónomas e o poder da República".

Para o professor, "o poder central da República nunca perdoou às regiões autónomas da Madeira e dos Açores terem-se criado antes da Constituição porque foram movimentações sociais que impuseram o modelo".

"O ritmo da defesa da autonomia sempre foi em turbulência com o poder da República, portanto, nada de estranho, tudo continua", declarou, sublinhando que o regionalismo está consolidado.

Adelino Maltez considera mesmo que o "drama" levantado a propósito desta dinâmica se deve a "forças de centralização que não compreendem o que foi feito na Madeira e nos Açores".

O novo hospital central da região tem estado no centro das polémicas nos últimos anos: quando a região viu reduzido o financiamento nacional, inicialmente previsto em 50% (132 milhões de euros), não faltaram críticas, com o CDS-PP, a maior força da oposição na Madeira, a acusar António Costa de "chico-espertismo".

A comparticipação foi reduzida para 96,5 milhões, considerando o valor dos atuais edifícios dos hospitais Dr. Nélio Mendonça e Marmeleiros.

Também devido à ligação marítima por ferry entre a Madeira e o continente, o Governo Regional acusa o da República de não cumprir o princípio da continuidade territorial. Assumiu o serviço e paga três milhões de euros a um armador espanhol pelas viagens para Portimão na época alta.

Os preços cobrados pela TAP nas passagens aéreas para o continente - que chegam a atingir valores superiores a 500 euros e que foram descritos como "pornográficos" por Miguel Albuquerque – têm motivado pedidos de intervenção à República.

Outros assuntos polémicos são o apoio à entrada de uma terceira companhia nas ligações aéreas regulares com o continente; o passe de transportes públicos para jovens Sub23, que o Governo Regional teve de assumir; as dívidas dos subsistemas de saúde ao Serviço Regional de Saúde, que ultrapassam os 18 milhões de euros; o IVA reduzido para as obras promovidas pela Investimentos Habitacionais da Madeira; os 30 milhões de euros prometidos pelo impacto dos incêndios de 2016 e a reclamação, pela região, de 70 milhões de euros da sobretaxa de IRS.

Região elege seis deputados à Assembleia da República em círculo com mais de 257 mil recenseados

O círculo eleitoral da Madeira, com cerca de 257.500 recenseados, elege seis deputados nas legislativas de 06 de outubro, sendo que o arquipélago, constituído por 11 concelhos, esteve representado no parlamento, na anterior legislatura, por PSD, PS e BE.

De acordo com o EyeData, plataforma de análise de dados estatísticos, a população residente média na Região Autónoma da Madeira (duas ilhas habitadas) em 2018 foi de 254.160 habitantes, dos quais 5.175 na ilha e município do Porto Santo, a 71 quilómetros do Funchal.

Este número é inferior ao dos eleitores recenseados em 2018 - 257.502 -, conforme indicação do Ministério da Administração Interna, sendo que nas legislativas nacionais de 2015 estavam inscritos 255.821 eleitores, mas votaram apenas 125.104, cifrando-se a abstenção nos 51,10%.

O PSD, partido que lidera o Governo Regional desde 1976 sempre com maioria absoluta, obteve nessas eleições 37,75% dos votos e elegeu três deputados à Assembleia da República (AR), seguido do PS, com 20,90% e dois deputados, e do BE, com 10,66% e um deputado.

Além das ilhas habitadas, a Região Autónoma da Madeira é composta por dois subarquipélagos com estatuto de reserva natural: as Desertas, localizadas a cerca de 40 quilómetros do Funchal, e as Selvagens, a 300 quilómetros a sul da capital madeirense.

A ilha da Madeira é, por outro lado, ocupada por uma grande mancha de floresta laurissilva (15.000 hectares, cerca de 20% do território), que ostenta o galardão de Património Mundial da Humanidade desde 1999.

O Funchal é o concelho mais populoso (104.286 habitantes) e o Porto Moniz o menos povoado (2.360 habitantes).

O Eyedata indica que os municípios da costa sul da Madeira - Calheta, Ponta do Sol, Ribeira Brava, Câmara de Lobos, Funchal, Santa Cruz e Machico - registam uma densidade populacional substancialmente superior aos da costa norte - Porto Moniz, São Vicente e Santana -, onde vivem no total 14.290 pessoas.

Os dados apontam também que, do total da população média de em 2018, 13,69% tinha menos de 15 anos e 16,52% mais de 65 anos, ao passo que população com mais de 15 anos com pelo menos o ensino secundário era de 26,97%.

A Direção Regional de Estatística da Madeira (DREM) contabilizou, por seu lado, 137.300 pessoas ao nível da população ativa residente no arquipélago no final de 2018, indicando que no segundo trimestre de 2019 o número de empregados se cifrava em 128.900, com destaque para os setores dos serviços e turismo e hotelaria. O desemprego nesse período afetava 9.500 pessoas (6,9%).

Os indicadores da DREM colocam a Alemanha como o principal mercado turístico da região em 2018, com 2,1 milhões de dormidas (-0,5% face a 2017), seguido do Reino Unido, com 1,9 milhões de noites (-4,8%). Já o mercado nacional foi o terceiro mais importante, com 7,4% em 2018, tendo o número de dormidas rondado um milhão, e depois o mercado francês, com 770 mil dormidas.

Por outro lado, foram contabilizados 536.874 passageiros em trânsito em 293 navios de cruzeiro nos portos do arquipélago, número idênticos aos de 2017.

Em 2018, os proveitos totais e de aposento na hotelaria madeirense ascenderam aos 426,9 e 278,8 milhões de euros, respetivamente.

O setor económico regional é também marcado pelo Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), conhecido por Zona Franca. A estrutura foi criada nos anos 1980 e inclui três áreas de investimento: a Zona Franca Industrial, o Registo Internacional de Navios e os Serviços Internacionais.

Segundo dados oficiais, o CINM gerou nos últimos sete anos uma receita fiscal média anual de 130 milhões de euros, cerca de 13% do total da região.

O ganho médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem na região autónoma atingiu, segundo o Eyedata, os 1.062,67 euros em 2016 (a nível nacional era de 1.108,56 euros), ao passo que em 2015 o poder de compra per capita era de 86,83 (Portugal = 100).

A população estrangeira residente na Madeira assinalou em 2018 um aumento de 12,8%, influenciado pelo regresso de emigrantes da Venezuela, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Em 31 de dezembro desse ano, o número de estrangeiros estabelecidos no arquipélago totalizava 7.578, distribuídos entre detentores de títulos de residência (7.535) e de vistos de longa duração (43).

Os nacionais da Venezuela (21,0%), Reino Unido (13,2%), Brasil (10,9%) e Alemanha (6,6%) continuam a representar as principais comunidades estrangeiras a residir na região.

*Por Emanuel Correia e Duarte Caires, da agência Lusa