
A eleição de um presidente com um perfil populista e polarizador pode representar desafios para a democracia portuguesa e o cenário político nacional poderá sofrer alterações significativas caso André Ventura, líder do Chega, seja eleito presidente da República, uma possibilidade que levanta questões sobre o futuro do partido, a composição do grupo parlamentar, mas também a relação entre a Presidência da República e o governo ou a Assembleia da República.
Em primeiro lugar, a sua eleição implicaria a saída da presidência do Chega e do grupo parlamentar, uma transição que, só por si, poderá gerar desafios internos, dado o papel central de André Ventura na formação e crescimento do partido desde a sua fundação, em 2019. A ausência de um sucessor claramente definido pode resultar em disputas internas e levar a reestruturações na direção partidária.
Uma coisa é certa, a sua saída para a Presidência criaria um vazio de liderança difícil de preencher. Os cenários para o futuro do partido podem incluir a escolha de um novo líder dentro da estrutura atual - com candidatos como os deputados Pedro Pinto, Bruno Nunes ou Gabriel Mithá Ribeiro -, a fragmentação do Chega, com divisões internas entre fações mais radicais e mais moderadas, ou a dificuldade de manter eleitores, com a saída de André Ventura a levar à dispersão de votos para outros partidos.
Na Assembleia da República, a bancada do Chega, agora composta por 49 deputados, também sofreria um abalo: a coesão e a eficácia do grupo parlamentar podem ser afetadas durante o período de adaptação, especialmente tendo em conta os recentes escândalos que envolvem diversos membros do partido, situação que influencia a dinâmica interna, mas também a perceção externa do partido.
Por outro lado, a ascensão de André Ventura à Presidência da República pode levar à polarização ainda maior do cenário político português, influenciar as relações entre os diferentes órgãos de soberania e afetar a agenda legislativa, especialmente em temas sensíveis como a imigração, a segurança ou a justiça.
Caso André Ventura seja eleito presidente da República, é expectável que a sua atuação seja influenciada pelas posições que tem defendido ao longo da sua carreira política. Por exemplo, o líder do Chega tem mantido uma postura firme em relação à imigração; defende um controlo mais rigoroso das fronteiras e políticas restritivas. Os imigrantes ilegais "não são bem-vindos" em Portugal, afirmou. E chegou a propor que os imigrantes contribuíssem durante cinco anos para o sistema antes de terem acesso a quaisquer apoios sociais.
Em Portugal, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos ou no Brasil, o sistema é semipresidencialista, ou seja, o presidente não governa. Como presidente da República, o papel de André Ventura será, por isso, maioritariamente representativo, com poderes limitados na implementação direta de políticas. No entanto, a sua eleição pode influenciar o debate público e as prioridades políticas nacionais, especialmente nas áreas já mencionadas.
O estilo e a abordagem às funções presidenciais, com um discurso mais polarizador e combativo, também conta e, neste caso, contrasta com a posição tradicionalmente moderada e conciliadora de presidentes portugueses como Marcelo Rebelo de Sousa, Cavaco Silva ou Jorge Sampaio, que sempre enfatizaram o papel do chefe de Estado como garante da estabilidade política.
O mais provável é que André Ventura use o cargo para amplificar posições políticas e utilize uma retórica direta e de confronto, inclusive nas relações com o governo e a oposição, que venha a intensificar a presença do presidente na arena política de uma forma até aqui pouco comum - podendo mesmo legitimar discursos de ódio e fomentar tensões sociais. Embora o cargo de presidente da República exija imparcialidade, há o risco do uso da Presidência para promover uma agenda partidária.
Além disso, o presidente da República é simultaneamente o Comandante Supremo das Forças Armadas, com um papel crucial na supervisão e direção das políticas de defesa e segurança nacional. Caso André Ventura seja eleito, é previsível que a sua atuação seja influenciada pelas posições que tem vindo a defender nesta matéria.
Embora as declarações públicas de André Ventura se concentrem sobretudo no apoio às forças de segurança interna, é plausível que, como presidente, advogue o fortalecimento geral das capacidades das Forças Armadas, o que pode incluir investimentos em equipamentos militares, formação avançada e maior presença em missões internacionais, alinhada com a sua posição de reforço da segurança nacional.
No plano internacional, André Ventura tem mantido relações próximas com líderes de partidos da extrema-direita europeus, como Santiago Abascal, do Vox (Espanha), Giorgia Meloni, do Fratelli d'Italia (Itália), Marine Le Pen, do Rassemblement National (França), ou Viktor Orbán, do Fidesz (Hungria). Em comum, o facto de todos destacarem a importância de fronteiras seguras e o respeito pela soberania nacional.
Como presidente, o mais provável é que o líder do Chega promova políticas de defesa que reforcem a cooperação com nações alinhadas ideologicamente, ao mesmo tempo que adota uma postura cautelosa em relação a políticas migratórias e de segurança da União Europeia e assume um tom mais crítico em relação a Bruxelas e à posição de Portugal face às políticas da UE.
O presidente da República tem o poder de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas. Se Ventura for eleito, pode haver um cenário de maior instabilidade institucional caso decida usar esta prerrogativa com mais frequência do que os seus antecessores.
O poder de veto presidencial também pode ser usado de forma mais frequente do que no passado. Ventura poderá vetar leis relacionadas com temas como imigração, direitos sociais ou políticas de segurança, caso considere que não correspondem à sua visão.
Além disso, ao usar a sua magistratura de influência para pressionar o governo a adotar políticas alinhadas com as suas posições, poderá criar um conflito institucional permanente. Um presidente que entra frequentemente em confronto com o governo e a Assembleia da República pode gerar um ambiente de instabilidade, bloqueando legislação e recorrendo frequentemente ao veto político.
Finalmente, a imprensa e liberdade de expressão também podem ser postas em causa. André Ventura já criticou duramente a comunicação social, acusando-a de parcialidade contra si e contra o Chega. Se eleito presidente, pode intensificar os ataques a jornalistas e órgãos de comunicação social, seguindo o exemplo de líderes como Donald Trump ou Jair Bolsonaro.
O líder do Chega tem sido um crítico vocal de Marcelo Rebelo de Sousa ao longo dos últimos anos. Uma das críticas mais contundentes surgiu depois de Marcelo Rebelo de Sousa reconhecer as responsabilidades de Portugal por crimes cometidos durante a era colonial e sugerir o pagamento de reparações pelos erros do passado. Estas críticas reflectem uma relação tensa e conflituosa entre André Ventura e o presidente da República, ao mesmo tempo que evidenciam profundas divergências ideológicas e políticas.
Antes de anunciar a sua candidatura à Presidência da República, André Ventura sugeriu que o partido apresentaria um candidato surpreendente, o que gerou alguma especulação. O que quer que tenha pensado, não aconteceu e o candidato é agora, pela segunda vez, ele próprio, figura central do Chega e o seu principal trunfo eleitoral.
Numa sondagem da Aximage, publicada a 26 de janeiro último, cerca de 30% dos inquiridos afirmaram que poderiam votar em André Ventura para Presidente da República. Além disso, aproximadamente 32% consideraram que Ventura "fez bem" em avançar e 24% "concordam" com as motivações da candidatura, enquanto 14% "concordam totalmente".
De acordo com a mesma sondagem, é na Área Metropolitana de Lisboa que se regista a maior intenção de voto, com 37%, seguida pela Área Metropolitana do Porto, com 31%, e as regiões do Sul e Ilhas, com 28%.
Mas há outras sondagens. Por exemplo, uma sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC, divulgada a 30 de janeiro de 2025, posiciona André Ventura em segundo lugar nas intenções de voto, atrás do almirante Henrique Gouveia e Melo, sugerindo a possibilidade de uma segunda volta entre ambos.
Outra pesquisa, divulgada a 10 de janeiro de 2025, indica que André Ventura possui 11% dos votos, o que o coloca no patamar e António Vitorino e, mais uma vez, atrás de Ana Gomes e Paulo Portas, que registam 12% de votos dos inquiridos.
As variações nos resultados podem ser atribuídas a diferentes metodologias, períodos de recolha de dados e amostras utilizadas em cada estudo.
André Ventura confirmou a intenção de se candidatar à Presidência da República em janeiro deste ano e o anúncio oficial está marcado para hoje, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. Esta é a segunda vez que o líder do Chega concorre ao cargo - em 2021 obteve 11,90% (496.773 votos), atrás de Ana Gomes (12,97%).
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