Os dados mais recentes mostram que 67,6% da população portuguesa tem excesso de peso ou obesidade, classificações que ainda se fazem com base no índice de massa corporal (IMC), ou seja, o cálculo em que se divide o peso (em quilogramas) pela altura ao quadrado (em metros).

"Será sempre uma medida, será sempre uma fórmula, mas tende a desaparecer porque peso não é massa gorda. Schwarzenegger tem o índice de massa corporal acima da média, porque é massa muscular", explica a endocrinologista Joana Menezes Nunes ao SAPO24.

Por isso, as atenções têm de estar viradas para a "massa gorda que causa doença". No total, existem "mais de 200 doenças associadas à obesidade": "apneia do sono, ácido úrico, colesterol, triglicerídeos, toda a carga com as próteses do joelho, as próteses da anca, infertilidade, ovário poliquístico, aumento do risco de cancro da mama, cancro do cólon", entre outras.

"Nós gostamos de nos agarrar aos números, mas hoje em dia temos de fugir desses números e individualizar. Os novos ensaios clínicos propõem uma nova fórmula: o perímetro abdominal, a gordura visceral, aquela gordura à volta dos órgãos, sobre a altura", exemplifica.

A obesidade "vai estar com a pessoa a vida toda, é como ter asma ou alergias"

Só a dieta não resolve: é uma doença crónica

Para combater esta doença, a questão da dieta é logo a primeira a ser apontada. Mas não tem de ser "restritiva", como muitas vezes se pensa — nem é uma coisa esporádica ou a grande solução por si só para a obesidade.

"Qualquer pessoa numa dieta restritiva perde peso. Por isso é que as anorexias chegam aos 30 ou aos 40 quilos e, se formos a casos mais extremos, há morte por fome em África. Qualquer dieta resulta, mas a questão é mantê-la a vida toda porque temos memória metabólica", adianta a médica.

No fundo, "a dieta é para todos nós", frisa. "Eu não tenho obesidade, mas eu como saudável. Todos nós temos de ser saudáveis para não vir a ter colesterol, e temos de fazer exercício, que é o melhor anti-aging que existe. Mas isso não são pilares de tratamento de obesidade".

"Os pilares de tratamento de obesidade são: medicamentos, cirurgia e, muito importante, terapêutica cognitiva comportamental. Há muitos distúrbios na parte da comida. Há pessoas que efetivamente comem por impulso, comem por ansiedade, comem por tristeza, têm vício de comer, aquilo não lhes sai da cabeça", nota.

"Há pessoas que preferem trocar uma comida de um almoço normal — uma carne, os legumes e um arroz — por uma caixa de Ferrero Rocher. Portanto têm um desvio, é como fumar, consumir álcool ou o vício do jogo. E esse desvio é regulado pelo cérebro", evidencia a endocrinologista.

O que é "comer de forma saudável"?

  • A dieta que tem melhores resultados em termos de diminuição de risco cardiovascular é a mediterrânea;
  • Dica: eliminar tudo o vem em plástico embalado, processado. Ou seja, comprar as coisas o mais natural possível;
  • Não excluir nada, comer seguindo a roda dos alimentos;
  • Ao almoço e jantar, dividir o prato em quatro partes: legumes (de três cores diferentes), proteína, hidratos de carbono e fruta (ou substituir por sopa);
  • Ao pequeno-almoço e lanche: apostar nas vitaminas e minerais.

Segundo Joana Menezes Nunes, muitas pessoas que vivem com obesidade não sabem o que devem fazer "porque estão completamente baralhadas". "Alguém lhes disse que era só para comer carne, outros disseram que não podiam pôr a batata na sopa, outros disseram que não podiam comer pão".

"Mas se perguntar a pessoas do antigamente quais são as noções básicas da alimentação, toda a gente sabe que deve comer a sopa, a fruta e os legumes. Deve comer o prato pequenino e não deve repetir. A minha avó dizia: 'o que engorda, filha, é o que fica na travessa'".

Ao contrário do que se possa pensar, a obesidade não é uma doença passageira, mas sim crónica: "vai estar com a pessoa a vida toda, é como ter asma ou alergias".

"Há pessoas, por exemplo, que têm essas alergias mas não estão sempre em crise, com necessidade de anti-histamínicos e sprays no nariz. Com a obesidade é igual, há alturas em que está mais acesa, seja porque a pessoa está a dormir pior, a ter mais stresse, mais sedentária, sem tempo para ir ao ginásio, encomendou mais comida de fora, tem mais apetite, tem mais mecanismo de escape", afirma.

Portanto, "não chega a fazer uma dieta um determinado tempo, não chega fazer fármacos um determinado tempo. Isto tem que ser feito por vários profissionais ao mesmo tempo e bem pensado. A obesidade é completamente diferente de perda de peso para quilos. É uma doença, tem comorbidade".

"Quando nos chega um doente com obesidade é preciso estadiar, é preciso ver se há doença associada, é preciso ver comportamentos e fazer exames. Temos de saber a história toda do doente", ressalva ainda. Além disso, também é necessário perceber todos os medicamentos que o doente toma e que podem estar a interferir com o peso, como é o caso de fármacos que podem "afetar o sistema nervoso central" e que servem para tratar depressões, enxaquecas ou dor neuropática.

"O semaglutido para o tratamento da obesidade é o semaglutido 2.4 mg. O que existe cá em Portugal é só 0,25, 0,5 e 1 mg"

E os medicamentos de nova geração?

Em Portugal, há apenas quatro substâncias destinadas ao tratamento da obesidade. "As substâncias com Autorização de Introdução no Mercado (AIM) com indicação terapêutica para obesidade, comercializadas em Portugal são Bupropiom + Naltrexona, Liraglutido, Orlistato e Tirzepatida. Na substância ativa Liraglutido apenas o Saxenda tem indicação em AIM para obesidade", adianta o Infarmed ao SAPO24.

Então e o semaglutido, substância em medicamentos como o Ozempic — que está entre os 14 medicamentos com mais falhas em 2024, de acordo com o Infarmed — ou o Wegovy, que ainda não chegou ao nosso país e se tornou conhecido pela apresentadora Oprah Winfrey?

Nos últimos anos, estes medicamentos de nova geração têm sido apontados como um caminho para tratar a obesidade e facilitar a perda de peso de forma simples, mas são direcionados a quem tem diabetes, o que por vezes acumula com a obesidade e aí já podem ser receitados, como é o caso do Ozempic.

E tudo está relacionado com as dosagens. "O semaglutido para o tratamento da obesidade é o semaglutido 2.4 mg. O que existe cá em Portugal é só 0,25, 0,5 e 1 mg", explica ao SAPO24 Paula Freitas, endocrinologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM).

"Há uma coisa que as pessoas têm de perceber: a mesma substância em doses diferentes pode ter indicações diferentes", destaca.

Neste momento, afirma, "há mais de 18 moléculas a ser investigadas para o tratamento da obesidade", pelo que novos medicamentos podem estar para surgir, também em Portugal. E há mesmo estudos que implicam dosagens mais fortes, até 7,2 mg.

Por isso, o futuro parece bem encaminhado. "Nós, enquanto sociedade de endocrinologia, e eu também como médica, todos nós vemos com muito bons olhos estes novos fármacos — aqueles que nós temos, mas também os vindouros — que vão tratar a obesidade. Vão fazer com que as pessoas percam peso, mas também vão melhorar todas as doenças associadas", reflete.

"Claro que tem sido passado o Ozempic em off-label digamos assim, porque é a molécula que temos"

Contudo, há outro aspecto a ter em causa: por cá, os medicamentos para a obesidade não são ainda comparticipados.

"O ano passado, em 2024, fez 20 anos em que Portugal foi pioneiro a considerar a obesidade como uma doença. Ou seja, a Direção-Geral de Saúde (DGS) consignou que a obesidade era uma doença, o que está correto, mas nestes 20 anos nada foi feito para que as pessoas com obesidade tenham acesso ao tratamento da obesidade, sobretudo ao tratamento farmacológico", denuncia.

"Com estes tratamentos que começam a aparecer, felizmente, temos mais medicamentos e vamos ter mais no futuro. E temos todos de lutar, sejam as associações de doentes, sejam as sociedades científicas. Toda a gente deve lutar para que as pessoas com obesidade tenham acesso à comparticipação dos fármacos, porque como nós sabemos, a obesidade é muito prevalente e é mais prevalente nas classes sociais mais desfavorecidas", explica.

"Ora, se os fármacos não forem comparticipados, há muitas pessoas que não poderão ser tratadas. É muito importante que os fármacos sejam acessíveis, mas também acho que as coisas têm de ser feitas de uma maneira criteriosa, ou seja, não chega dar um fármaco a uma pessoa, não é assim que se trata a obesidade. É preciso avaliar o doente primeiro", acrescenta Paula Freitas.

Enquanto não chega o Wegovy, serve o Ozempic

Apesar destas questões, há doentes que têm tido acesso ao Ozempic. "Claro que tem sido passado o Ozempic em off-label digamos assim, porque é a molécula que temos. Agora, os doentes têm de o pagar na totalidade. Em vez de pagarem uns dez euros, pagam mais de 100", diz a endocrinologista Joana Menezes Nunes.

"Mas isto é uma muleta enquanto não chega o Wegovy, porque o que deve ser usado na obesidade são as doses superiores. Claro que há muitos doentes que não chegam a precisar da dose maior, com uma dose mais baixinha já conseguem perder peso e controlar, os doentes não são todos iguais", afirma ainda.

Para a endocrinologista, esta é uma forma de atacar já a doença. "Eu tenho doentes a quem prescrevo sem comparticipação, portanto pagam o medicamento na totalidade. E que o compram, acarretam o custo do medicamento — e se não o compram aqui vão à nossa vizinha Espanha buscar. São pessoas que têm obesidade com doença: têm apneia do sono, não têm diabetes, mas têm pré-diabetes".

"A partir do momento em que as coisas estiverem legisladas é tudo muito mais simples do que andar neste campo do obscuro"

Por isso, defende que as regras já deviam ter sido revistas. "É ridículo, é quase dizer assim: 'olhe, coma mais um bocado ou engorde mais um bocado para ter diabetes e eu poder passar-lhe o medicamento'. Isto era o que se fazia antigamente, há 20 anos. Eu lembro-me, no Hospital São João, de dizermos a determinados doentes que não tinham ainda IMC para cirurgia para engordarem cinco quilos e voltarem à consulta. Isto é de uma violência atroz", exemplifica.

Questionada sobre se estas prescrições contribuem para a falta de medicamentos como o Ozempic, a médica defende que só seria um "desvio" se fossem atribuídas a pessoas que querem "perder quatro quilos para o biquíni do verão".

"Nós não temos de escolher entre doentes de primeira classe ou doentes de classe económica. São doentes e têm de ser todos tratados de igual forma, de acordo com a Convenção dos Direitos Humanos. Mas não podem estar questões estéticas associadas", ressalva.

Por isso, a resposta está do lado de quem decide. "Acho que tem de haver legislação. A partir do momento em que as coisas estiverem legisladas é tudo muito mais simples do que andar neste campo do obscuro".

Também Paula Freitas concorda e considera que tudo está para mudar. "Mais ano, menos ano, quando estas substâncias forem disponibilizadas ao mundo, também chegarão a Portugal. A outra questão é se elas vão ser comparticipadas ou não. E isso só vai depender de uma coisa chamada vontade política", remata.