A vida depois da morte de José Eduardo dos Santos tem sido tudo menos tranquila.
Falecido a oito de julho, com 79 anos, em Barcelona, Espanha, onde passou a maior parte do tempo nos últimos cinco anos, o homem que dirigiu os destinos de Angola entre 1979 e 2017 tem estado no centro de uma contenda familiar com duas fações da família dos Santos a disputarem, na Vara de Família do Tribunal Civil da Catalunha, quem ficaria com a guarda do corpo.
De um lado, Tchizé dos Santos e os irmãos mais velhos, que se opunham à entrega dos restos mortais à ex-primeira-dama e que se assumiram contra a realização de um funeral de Estado antes das eleições de 24 de agosto para evitar aproveitamentos políticos.
Do outro, a viúva Ana Paula dos Santos e os seus três filhos em comum com José Eduardo dos Santos, que reivindicavam também o corpo e queriam que este fosse enterrado em Angola nos próximos tempos.
Na quarta-feira, o tribunal decidiu-se pela atribuição do cadáver à antiga mulher e autorizou a trasladação para Angola, depois da autópsia que concluiu definitivamente que José Eduardo dos Santos morreu de causas naturais.
O corpo do antigo governante chegou hoje a Luanda às 19h16, no entanto, esta manhã a advogada de uma das filhas, Tchizé dos Santos, disse hoje à Lusa que desconhecia a entrega do corpo a umas das partes, que havia ainda recursos por decidir em tribunal, embora não tivessem efeitos suspensivos, e que não houve qualquer notificação judicial.
“Alguma coisa aconteceu. Uma das partes não ter conhecimento disto é estranho, para qualificar a situação de alguma forma”, disse a advogada Carmen Varela.
A advogada disse estar a trabalhar “num comunicado” e a falar com Tchizé dos Santos, mas que seguramente haverá uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por parte dos cinco filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos, que ficaram assim impedidos de, pelo menos, “se despedir” do pai em Barcelona.
Na quinta-feira, Tchizé dos Santos já havia dito que se queixaria ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos se a Justiça espanhola não recuasse na decisão sobre a entrega do cadáver à ex-mulher.
“Se a resposta [ao recurso apresentado relativamente à decisão de atribuir a custódia do cadáver do antigo Presidente de Angola à sua ex-mulher] é entregar o corpo e autorizar a trasladação, obviamente que vou fazer queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos porque está aqui um cidadão que quer levar o corpo para Angola e eu e outros cidadãos europeus corremos risco de vida se lá formos”, argumentou Tchizé dos Santos.
Por sua vez, o porta-voz do MPLA, Rui Falcão, admitiu hoje que o funeral de Jose Eduardo dos Santos deve realizar-se em Luanda no dia 28 de agosto, coincidindo com a data do seu aniversário, e afirmou que "as filhas andaram distraídas".
Foi esta a justificação avançada pelo responsável do MPLA para explicar o facto de os filhos mais velhos do ex-Presidente se terem hoje queixado de não terem sido avisados de que o tribunal tinha dado autorização para a trasladação do corpo de José Eduardo dos Santos, que morreu a 8 de julho em Barcelona, para Luanda.
“As filhas andaram distraídas (…) estavam na praia, estavam a fazer desfiles de moda, etc.”, comentou o dirigente, indicando que vão ser feitos os “atos públicos que se impõem”, tal como o velório realizado em junho, agora na presença do corpo.
Questionado sobre se as filhas, nomeadamente Isabel dos Santos, a braços com a justiça angolana poderão vir ao funeral, replicou: “se não devem nada ao Estado, por que não? Se têm algum problema com a justiça, elas que o resolvam, nós temos de tratar o ex-Presidente da República como ele merece.
Rui Falcão falava aos jornalistas após um enorme comício — o último do candidato do MPLA, João Lourenço, para mobilizar os seus apoiantes e convencer o eleitorado que “a força do povo” continua a estar com o partido que governa Angola desde a independência, em 1975.
“Temos eleições no dia 24 de agosto e o MPLA vai vencê-las, isso para nós é o mais importante. Depois das eleições vamos fazer o ato que ele merece”, declarou com visível satisfação.
Sobre a chegada do corpo hoje, data que em que o atual Presidente da República, Joao Lourenço, que se recandidata a um novo mandato fez o comício de encerramento da campanha, sublinhou que o partido não dita o calendário da justiça espanhola.
“A justiça espanhola decidiu neste quadro e nós tivemos de tomar a decisão de Estado que se impunha, por isso o corpo vai chegar daqui a pouco”, afirmou.
Admitiu que o funeral será “provavelmente” no dia 28 de agosto, rejeitando aproveitamento político da situação.
“Se quiséssemos fazer aproveitamento político faríamos agora, esta mole humana que está aqui respeita o Jose Eduardo dos Santos como sempre respeitou”, frisou o porta-voz do MPLA, apontando a multidão de militantes que hoje se deslocaram ao recinto do Camama para ouvir João Lourenço que, optou no seu discurso, por não fazer qualquer referência ao seu antecessor no cargo.
“Quem não respeita é a família”, acrescentou Rui Falcão.
A trasladação do corpo do antigo chefe de Estado angolano ocorre em pleno período de campanha para as eleições, onde o atual Presidente, João Lourenço, que sucedeu a José Eduardo dos Santos em 2017, procura a reeleição.
Mais de 14 milhões de angolanos, incluindo residentes no estrangeiro, estão habilitados a votar em 24 de agosto, na que será a quinta eleição da história de Angola.
Os 220 membros da Assembleia Nacional angolana são eleitos por dois métodos: 130 membros de forma proporcional pelo chamado círculo nacional, e os restantes 90 assentos estão reservados para cada uma das 18 províncias de Angola, usando o método de Hondt e em que cada uma elege cinco parlamentares.
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