Seguem-se alguns pontos essenciais sobre o processo de vacinação em curso para a covid-19, uma doença respiratória causada por um novo coronavírus que já matou mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo e infetou mais de 100 milhões, segundo a contabilidade feita pela universidade norte-americana Johns Hopkins.
Metas e planos de Vacinação
A Organização Mundial da Saúde (OMS) quer que a vacinação contra a covid-19 chegue a todos os países nos primeiros 100 dias de 2021, priorizando-se os mais vulneráveis, como os profissionais de saúde e idosos.
Em meados deste mês, de acordo com a agência da ONU, 46 países, a maioria desenvolvidos, tinham iniciado as suas campanhas de vacinação.
A China, onde foi detetado em dezembro de 2019 o novo coronavírus (tipo de vírus) que transmite a covid-19, praticamente erradicada do país, salvo surtos esporádicos, começou a administrar vacinas experimentais no verão.
Envolta em polémica, por ter sido aprovada antes dos ensaios clínicos de eficácia e segurança finais, a vacina russa Sputnik V foi dada, em massa, no país a partir de 5 de dezembro de 2020.
A Hungria, país da União Europeia que antecipou num dia o início da campanha de vacinação no espaço comunitário, contratualizou a compra desta vacina, apesar de não estar aprovada pelo regulador europeu do medicamento, tal como o México, um dos países com mais mortos por covid-19.
Fora da União Europeia, o Reino Unido, que é o país europeu com mais óbitos por covid-19, começou a vacinar em 08 de dezembro de 2020, seguindo-se os Estados Unidos, Canadá, Arábia Saudita e Israel, país com a mais alta taxa de vacinação e que já iniciou a inoculação em adolescentes, inclusive jovens de 16 anos, faixa etária para a qual a vacina administrada não foi testada.
Em Portugal, à semelhança de outros países da União Europeia, a campanha de vacinação começou há precisamente um mês, em 27 de dezembro, com a inoculação de profissionais de saúde de hospitais. Pouco tempo depois, estendeu-se aos utentes e funcionários de lares de idosos e, na próxima semana, deve alargar-se a titulares de órgãos de soberania, bombeiros, forças de segurança e pessoas com mais de 50 anos com doença coronária ou pulmonar obstrutiva crónica e insuficiência cardíaca ou renal.
O país espera, em consonância com as metas da União Europeia, ter 70 por cento da população adulta vacinada no fim do verão.
A Índia, a segunda nação mais populosa do mundo, depois da China, e o segundo país com mais infeções por covid-19, a seguir aos Estados Unidos, começou a vacinar em meados de janeiro com uma vacina de produção própria, que foi, no entanto, aprovada sem passar pelo crivo dos ensaios clínicos finais.
Em África, as ilhas Seychelles foram, este mês, o primeiro país do continente a vacinar contra a covid-19.
Só recentemente, o Brasil, um dos países com mais mortes provocadas pela pandemia, começou a inocular contra a covid-19 com recurso a uma vacina chinesa. No sábado, milhares de pessoas protestaram em várias cidades brasileiras contra o atraso da campanha de vacinação.
Do outro lado do globo, a Austrália, que tem a propagação da infeção controlada, espera iniciar a vacinação em fevereiro, com a vacina do laboratório norte-americano Pfizer, e ter toda a população vacinada em outubro.
Com poucos casos de infeção ativos, Timor-Leste prevê começar a vacinação em maio, fora dos prazos traçados pela OMS.
Aprovação de vacinas
As vacinas que estão a ser administradas em Portugal, e noutros países da União Europeia, são as do consórcio germano-americano Pfizer/BioNTech e da empresa de biotecnologia norte-americana Moderna, aprovadas pela autoridade europeia do medicamento em 21 de dezembro e 6 de janeiro, respetivamente.
As aprovações na Europa ocorreram debaixo de pressões de alguns países e depois das efetuadas pelos reguladores britânico e norte-americano.
O uso de ambas as vacinas, assentes na mesma tecnologia e administradas em duas doses, foi aprovado na condição de prosseguirem os testes clínicos. Estas vacinas, por exemplo, não foram testadas em crianças e grávidas e desconhece-se ainda a duração da imunidade que conferem.
Espera-se que o regulador europeu conclua esta semana a avaliação sobre a vacina britânica AstraZeneca/Oxford, mais barata e que já está a ser dada no Reino Unido, país que saiu da União Europeia, e aprovada em diversos países fora do espaço comunitário.
Em fase menos adiantada, a vacina de uma só dose da farmacêutica Janssen, do grupo Johnson & Johnson, aguarda os primeiros resultados da fase final de ensaios clínicos para este mês, posto o que, se confirmarem a sua eficácia e segurança, remeterá um pedido de autorização de comercialização à autoridade europeia do medicamento.
Igualmente atrasada está a vacina a ser desenvolvida pelos laboratórios francês Sanofi e britânico GSK, que anunciaram em dezembro que não estaria concluída antes do fim de 2021 devido a resultados menos abonatórios do que os esperados.
A candidata alemã CureVac apenas iniciou os testes finais em dezembro.
Uma das mais reputadas instituições científicas, o Instituto Pasteur, em França, anunciou esta semana que parou o seu projeto de vacina para a covid-19, baseado na vacina contra o vírus do sarampo, porque os primeiros ensaios revelaram ser menos eficaz do que os expectáveis.
A Comissão Europeia contratualizou a compra das vacinas Pfizer/BioNTech, Moderna, AstraZeneca/Oxford, Janssen, Sanofi/GSK e CureVac, que constam do plano de vacinação português.
Riscos e eficácia contra novas variantes do coronavírus
Esta semana, a Moderna anunciou, com base em resultados preliminares não revistos pela comunidade científica, que a sua vacina mantém a eficácia contra as variantes britânica e sul-africana do novo coronavírus, consideradas mais contagiosas e já detetadas em dezenas de países, incluindo Portugal.
Por cautela, a empresa biotecnológica está a desenvolver uma vacina específica para a variante sul-africana e vai testar, para estirpes emergentes, uma dose adicional da vacina que tem aprovada para a covid-19.
Antes, o consórcio Pfizer/BioNTech já tinha anunciado, a partir de dados igualmente preliminares, que a sua vacina mantinha a eficácia contra uma mutação genética comum nas variantes britânica e sul-africana, tendo assegurado que a sua vacina poderá ser ajustada se for necessário.
Ambas as vacinas partem da mesma tecnologia de engenharia genética do ARN mensageiro, usada pela primeira vez na produção de vacinas.
Na terça-feira, a autoridade europeia do medicamento confirmou que as duas vacinas são eficazes para a variante britânica, mas assumiu que a variante sul-africana é "mais complicada".
Cientistas britânicos admitiram, no início do mês, que a estirpe sul-africana é mais agressiva do que a britânica e pode ser resistente às vacinas que já estão a ser usadas, por apresentar alterações genéticas adicionais que podem ser um problema para a resposta imunitária desencadeada pelas vacinas.
Desconhece-se ainda o possível impacto das vacinas sobre uma outra variante do SARS-CoV-2, com origem no Brasil, que, segundo os especialistas brasileiros, pode ser tão contagiosa quanto as estirpes do Reino Unido e da África do Sul.
Em entrevista na terça-feira à rádio Antena 1, um dos diretores do Instituto Europeu de Bioinformática, Rolf Apweiler, disse que a estirpe brasileira "tem potencial para escapar à vacinação".
Atrasos, lentidão e escassez de vacinas
Na União Europeia, o processo de vacinação tem sido marcado por críticas à lentidão com que decorre e aos atrasos na distribuição decorrentes da insuficiente produção de lotes para todos os países.
Esta semana, a Comissão Europeia admitiu avançar com "qualquer ação necessária" para exigir o cumprimento do contrato de aquisição de vacinas AstraZeneca/Oxford, depois de a farmacêutica britânica ter anunciado que enviará menos doses à União Europeia do que o acordado devido a problemas na capacidade de produção.
Em Portugal, o atraso na distribuição desta vacina, que aguarda ainda aprovação pelo regulador europeu do medicamento, não comprometerá a primeira fase do plano de vacinação, mas também não permitirá antecipá-la, segundo o seu coordenador, Francisco Ramos, que admitiu, para o país, uma quebra de 50 por cento de doses da vacina AstraZeneca/Oxford.
Antes da AstraZeneca, a Pfizer tinha alertado para uma quebra nas entregas das vacinas contra a covid-19 na Europa, para poder melhorar a sua capacidade de produção, com a Comissão Europeia a anunciar uma semana depois que a farmacêutica norte-americana iria retomar o ritmo das entregas.
Nos Estados Unidos, o país mais afetado pela pandemia, a escassez de vacinas levou a que locais de vacinação em Nova Iorque, por exemplo, começassem a cancelar ou a adiar a vacinação. Noutros estados norte-americanos, as autoridades têm alertado para a falta de 'stocks'.
Fosso entre os mais ricos e os mais pobres
Recentemente, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, advertiu, ao realçar que apenas 25 doses de vacina contra a covid-19 foram administradas num país pobre, no caso a Guiné-Conacri, que o mundo "está à beira de um fracasso moral catastrófico" se os países ricos açambarcarem vacinas e não as partilharem com os países mais pobres.
Tedros Adhanom Ghebreyesus pediu para se "evitar os erros" das pandemias da sida e da gripe H1N1, em que medicamentos e vacinas, respetivamente, chegaram tarde aos mais pobres.
De acordo com o dirigente da OMS, "a promessa" dos países ricos do "acesso equitativo" às vacinas "está em sério risco", com "alguns países e farmacêuticas a priorizarem acordos bilaterais", torneando a rede de distribuição universal Covax, "elevando os preços e tentando saltar para a fila da frente".
Em última análise", este tipo de ações vai "prolongar a pandemia", sustentou.
A Organização Mundial da Saúde, copromotora da rede Covax, espera iniciar em fevereiro a entrega de vacinas contra a covid-19 aos países mais pobres.
Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, o acesso às vacinas para a covid-19, apesar de "um sucesso para a ciência", pela rapidez com que foram desenvolvidas, pode significar "um fracasso para a solidariedade".
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