Já os donos de animais de estimação lançaram mesmo uma petição contra uma medida que consideram irrazoável e ilegal.
“A nossa posição é que levar um cão a fazer necessidades é uma necessidade razoável”, salientou a presidente da organização de defesa dos animais Anima.
“Esperamos que o Governo enfrente esta questão de frente”, até porque “ninguém sabe o que vai acontecer depois da próxima semana”, sublinhou Zoey Tang, referindo-se à possibilidade de as autoridades prolongarem o confinamento parcial.
Por outro lado, sustentou que a ordem do chefe do executivo datada de 09 de julho não declara que passear cães é um delito, razão pela qual considera ser irrazoável que as autoridades não permitam que os cães sejam levados à rua, nem que seja por um curto período de tempo.
Outra associação de proteção dos animais, a Masdaw, argumentou que a proibição é incompatível com a lei de proteção dos animais e criticou a postura do Governo, lamentando que em Macau se tenha adotado tal medida que “em alguma parte do mundo como isto não aconteceria”.
“É um erro absoluto”, desabafou.
Dono de quatro cães, João Manuel Vicente, que é advogado, não tem dúvidas: “Eu próprio acredito que não é uma medida legal”. E que, “mesmo que fosse legal, (…) que não é justo”.
João Manuel Vicente lembrou que a proibição foi anunciada “apenas verbalmente” numa conferência de imprensa e “que essa não é a forma de criar tipos legais de crimes, precisa de um suporte legal”.
Por outro lado, defendeu que as autoridades podiam admitir uma “via intermédia” que beneficiasse ambas as partes.
Outra dona, também de quatro cães, Fatima Couto, disse que o facto de os cães fazerem as necessidades em casa “pode criar um ambiente pouco saudável”.
“É um pesadelo de dificuldades e de cocó dentro de casa”, precisou, lembrando que quanto maior for o cão, pior.
Uma petição ‘online’, denominada “Os passeios de cães devem ser permitidos durante o confinamento parcial”, a circular desde quarta-feira, juntou até agora mais de três mil assinaturas, no momento em que se aguarda que as autoridades confirmem o fim de uma semana de confinamento parcial, um levantamento gradual das medidas ou o prolongamento das restrições.
Macau encerrou na segunda-feira, por um período de uma semana, todas as atividades comerciais não essenciais, incluindo os casinos, impondo a utilização obrigatória de máscaras KN95 ou “de padrão superior” e proibindo a permanência na rua, sob pena de prisão até dois anos ou de multa.
Salvo em algumas exceções, como ir trabalhar, ao hospital ou comprar bens básicos, a população está proibida de sair à rua.
Até ao momento, cinco pessoas foram condenadas por violarem as medidas impostas pelo confinamento – uma delas com uma pena de prisão de cinco meses, suspensa por dois anos -, tendo as forças de segurança enviado para o Ministério Público 25 casos de suspeitos de violarem as restrições.
Confinamento agrava crise em Macau e impede regressos à China continental
O confinamento parcial imposto para conter o pior surto de covid-19 a atingir Macau desde o início da pandemia agravou a crise económica e tem impedido famílias e estudantes de regressar à China continental.
Lili Zhang já tinha perdido o emprego em fevereiro quando a loja de roupa em que trabalhava fechou portas. “A situação estava tão má que nem tentaram vender a roupa que sobrou, deixaram-nos levá-la para casa”, disse a residente à Lusa.
Com Macau a atingir mais de 13.300 desempregados — o número mais elevado dos últimos 19 anos — a única fonte de rendimento que a residente encontrou foi o contrabando.
Lili chegou a atravessar a fronteira seis vezes por dia, levando sobretudo produtos ocidentais importados, que na China continental são mais caros devido aos impostos de consumo ou sobre bens de luxo.
“Antes era uma coisa só para velhos, até porque não pagam grande coisa, mas com tanta gente a perder o emprego, começaram a ser cada vez mais”, disse.
A polícia de Macau já tinha começado a apertar o cerco aos contrabandistas, que, diz Lili, começaram a trocar dicas sobre as fronteiras menos vigiadas e os horários menos suspeitos.
Mas o atual surto pôs um fim ao negócio, com a cidade vizinha de Zhuhai a impor uma quarentena de sete dias, em hotéis designados, para quem chega de Macau.
“O meu marido trabalha no casino Grand Emperor, mas agora mandaram-no para casa, sem salário. E nem sei se vai voltar a trabalhar”, admitiu Lili.
Mas a residente, natural de Guangxi, no sul da China, diz que a principal preocupação é com o filho de 7 anos, cujo ano letivo acabou mais cedo e que agora “passa os dias com os olhos colados à televisão”.
Desde o início do atual surto, em 18 de junho, que surgiram nas redes sociais vários grupos, cujos membros são sobretudo famílias com crianças, para a partilha de informações sobre como reservar um quarto nos hotéis de quarentena em Zhuhai.
“É uma corrida contra o tempo”, explicou Lisa Kuan à Lusa. “As marcações abrem todos os dias às 10 da manhã e em meros segundos os quartos ficam logo todos reservados em todos os hotéis”, disse.
No início de julho, Lisa conseguiu finalmente ser das mais rápidas e marcar um quarto em Zhuhai para ela, o marido e a filha de 3 anos.
O plano era, depois da quarentena de sete dias, ir passar o verão na aldeia de Sanxiang, a apenas 20 quilómetros de Macau, de onde são os pais de Lisa.
Poucas horas depois, o plano saiu furado. “Detetaram um caso aqui no meu prédio, que passou a ser uma zona amarela”, explicou Lisa, referindo-se à classificação como uma zona de risco, algo que impediu a família de passar a fronteira.
O sentimento de isolamento tornou-se ainda maior na quinta-feira, quando Zhuhai — cidade que enfrenta também um surto de covid-19 — deixou de aceitar pessoal de Macau em quarentena.
Ainda assim, segundo dados oficiais da Polícia de Segurança Pública, nas últimas três semanas já abandonaram a cidade mais de 2.400 residentes.
Também os alunos da China continental tinham planeado regressar a casa durante as férias do verão.
Para os estudantes da Universidade de Macau em particular, o surto significou um duplo confinamento, com restrições impostas à entrada no ‘campus’ da instituição, em Hengqin (ilha da montanha).
Edmund é natural da província de Sichuan, no sudoeste da China, mas disse à Lusa que já desistiu de regressar à terra natal este verão. “Aqui há muitos estudantes na mesma situação”, lamentou.
Numa altura em que os residentes debatem nas redes sociais um eventual relaxamento das restrições, o jovem defende o apertar do confinamento, tal como aconteceu em muitas cidades na China continental, onde os habitantes estavam proibidos de sair de casa.
Edmund defendeu que, “se Macau não conseguir controlar este surto, então vai acontecer o mesmo que em Hong Kong”, que tem registado uma média de mais de 2.800 casos de covid-19 por dia.
“Se for preciso fazer quarentena, então que turista quererá visitar Macau?” questionou o estudante.
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