Após o Presidente da República ter hoje divulgado que o Governo pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República para saber se o isolamento no quadro da covid-19 impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser suspenso para esse efeito, o constitucionalista Paulo Otero defendeu, em declarações à Lusa, que “não é possível conciliar saúde pública, isolamento e o exercício do direito de voto”.
“Se são razões de saúde que justificam o isolamento, essas mesmas razões de saúde pública impedem que se crie uma exceção a esse isolamento porque, de duas uma: ou são razões de saúde pública que justificam o isolamento e ele não pode ter exceção ou, tendo exceção, afinal não são razões de saúde pública e, por isso mesmo, não se justifica a existência de isolamento”, afirmou.
O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa sublinhou que o direito de voto está condicionado ao direito à saúde, “porque há outros valores, há outros direitos mais importantes, designadamente a saúde pública”, não “apenas dos eleitores que vão votar simultaneamente, mas também a saúde pública das pessoas que estão nas mesas nas diferentes secções de voto”.
Reiterando que a saúde pública tem prevalência sobre o direito de voto, Paulo Otero relembrou que o direito à saúde também primou “relativamente às situações de limitação à circulação entre concelhos, ou à limitação e à injunção de pessoas, por exemplo, ficarem em casa, sem poderem deslocar-se de casa”.
“O que é certo é que aí se demonstra que há outros valores na ordem constitucional que impõem limitações aos direitos fundamentais, designadamente, neste caso aqui, ao direito de voto”, frisou.
Em sentido contrário, o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos afirmou que o “direito de voto é um direito fundamental no funcionamento de uma sociedade democrática” e que os direitos consagrados na Constituição “não são hierarquizáveis”, havendo sempre um “risco de colisão de direitos fundamentais”, dando o exemplo do “direito de liberdade de expressão e o direito ao bom nome”.
Nesse sentido, o ex-deputado do PS sustentou que, “se houver formas de minimizar o risco de contágio” e se forem tomadas “as devidas cautelas”, uma suspensão do isolamento para os cidadãos infetados poderem deslocar-se às urnas “seria bem-vinda”.
“O que há é uma situação de risco que, podendo ser minimizada, deve dar lugar a um direito que [senão] fica completamente excluído. Se uma pessoa não pode votar, o exercício desse direito fica reduzido a zero. Do outro lado, há um risco de poder agravar a sua condição de saúde ou contagiar outros, se for possível minimizá-lo (…) penso que é uma solução amiga da democracia e do Estado de direito”, afirmou.
O Governo pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para saber se o isolamento no quadro da covid-19 impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser suspenso para esse efeito.
Este pedido de parecer feito por causa das eleições legislativas antecipadas de 30 de janeiro foi hoje comunicado aos jornalistas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no final de mais uma sessão sobre a situação da covid-19 em Portugal, no auditório do Infarmed, em Lisboa.
“O senhor primeiro-ministro anunciou que a senhora ministra da Administração Interna terá pedido ao Conselho Consultivo da PGR um parecer sobre o saber-se se o isolamento impede o exercício do direito de voto, ou se é possível exercer o direito de voto, em condições de segurança, apesar do isolamento, isto é, suspendendo o isolamento para esse efeito — o que reduziria, naturalmente, o número daqueles que não poderiam se o quisessem exercer o direito de voto”, declarou o chefe de Estado.
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