Uma das propostas do pacote Mais Habitação que o Governo tem neste momento em audição pública passa pela “possibilidade de condomínios porem termo às licenças emitidas [de Alojamento Local] sem a sua aprovação”. A medida consta de um conjunto que pretende incentivar a transferência de casas do regime de Alojamento Local (AL) para fins habitacionais.
“No caso de a atividade de alojamento local ser exercida numa fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por deliberação de mais de metade da permilagem do edifício, pode opor-se ao exercício da atividade de alojamento local na referida fração”, segundo a legislação do programa “Mais Habitação”, que foi publicada na noite desta sexta-feira. Esta regra não se aplica caso o título construtivo preveja a utilização da respetiva fração para esse fim ou se a assembleia de condóminos tiver autorizado expressamente a atividade.
A decisão para o cancelamento do registo, que implica a “imediata cessação” da atividade, tem que ser dada a conhecer pela assembleia de condóminos ao presidente da respetiva Câmara Municipal.
O problema, alerta Vítor Amaral, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), é que esta proposta não prevê o que já existia na regime do Alojamento Local, e que pode significar o encerramento indiscriminado de até 100 mil frações alocadas a esta atividade.
“Não é obrigatório que o alojamento local em condomínios passe pela autorização dos condóminos. Não sendo necessária pelo atual regime do alojamento local, é natural que essas 100 mil frações que estão alocadas ao Alojamento Local não tenham autorização dos condóminos, porque a lei não o impõe”, explica ao SAPO24.
Segundo a atualização mais recente do Regime do Alojamento Local, datada de 2018, apenas os hostels necessitam de “ata da assembleia de condóminos autorizando a instalação”. No que diz respeito ao Alojamento Local, a única situação prevista em que os condóminos podem opôr-se ao exercício desta atividade é nos casos de “ da prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos. E mesmo assim, necessitam de dar conhecimento desta decisão “ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente.”.
Ora, de acordo com Vítor Amaral, “dizer que os condóminos podem cancelar a atividade do alojamento local sem autorização é a mesma coisa que dizer que é todo o alojamento local”, sublinha.
A confusão legal decorre também de um acórdão emitido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em março de 2022, que declara que “no regime da propriedade horizontal, a indicação no título constitutivo, de que certa fracção se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”. Ou seja, segundo o STJ, se uma fração tem no seu título constitutivo que é destinada à habitação, não pode servir para alojamento local porque o tribunal considera que este não é um fim habitacional.
No entanto, nos termos do código civil, para se mudar o título constitutivo de uma propriedade horizontal é necessária a aprovação dos restantes condóminos. Por outras palavras, como “o que o acórdão vem dizer é que o Alojamento Local é um fim diferente”, então, “os condóminos têm de se pronunciar, não pela autorização do alojamento local, é pela autorização de alteração do fim a que se destina a fração”, explica Vítor Amaral. Esta decisão do STJ, porém, não é lei, é apenas um acórdão que pretendia ser “uniformizador de jurisprudência”.
Não se conhecem ainda mais detalhes sobre a medida dos condomínios porem termo às licenças emitidas sem a sua aprovação, mas para o presidente da APEGAC, parece ter faltado ponderação ao Governo na hora de legislar.
“O que o legislador devia ter feito é uma alteração ao regime do AL de forma a conciliar os interesses dos condóminos que habitam no condomínio e os condóminos que apostaram no AL. Porque esses interesses conflituam. Normalmente, quem vive em condomínio, não gosta de ter AL, mas o que é certo é que o nosso legislador permitiu que as pessoas investissem no AL e houve muita gente que o fez”, afirma.
“Quem investiu também tem expectativas que não podem ser retiradas de um momento para o outro, até porque houve quem investisse grandes capitais e comprasse 2, 3, 5, 10 apartamentos para AL e agora, de repente, vêem gorada essa hipótese. Ficando como está esta proposta em discussão é que de um momento para o outro pode retirar-se a licença do AL”, continua.
Falando a título pessoal, Vítor Amaral considera que era necessário “fazer alguma coisa para controlar esta situação que estava a tornar incomportável arrendar um apartamento para habitação”, citando o preço das rendas e do metro quadrado. No entanto, “quando se quer legislar a este nível, e a habitação é essencial, há que ponderar todos os interesses e nesta situação isso não aconteceu”, diz, apontando ainda a magnitude deste problema: “não estamos a falar de 50 mil ou 500 mil pessoas, mas sim cinco milhões que vivem em condomínio.”
Já no que toca às medidas destinadas a desincentivar a criação de Alojamento Local, “aí é completamente diferente”, concede. “Aí estamos a falar no futuro e futuros investidores, condóminos, etc, têm de se sujeitar àquilo que for a lei que vier a ser aprovada. Agora, fazer o que quer que seja com efeitos retroativos, há que ponderar muito bem”, termina.
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