"As cerimónias fúnebres de Eugénio Lisboa acontecem no próximo dia 12 de abril, no Centro Funerário de Cascais, situado junto ao cemitério de Alcabideche", refere a editora Guerra & Paz em comunicado.
"O corpo do poeta, escritor e ensaísta, que nos deixou na manhã de ontem, dia 9 de abril, estará em câmara-ardente a partir das 10h00 e a cerimónia de cremação está marcada para as 14h00", é ainda referido.
"Homenageia-se assim um homem de uma escrita viva, cheia de amor pela literatura, mas também irreverente e sarcástica, que dedicou parte significativa dos seus 93 anos a combater a opacidade, o snobismo e a chatice, em defesa do prazer, do encanto e da emoção", diz ainda a editora.
O poeta, ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa, especialista na obra do escritor José Régio (1901-1969), morreu na terça-feira de manhã em Lisboa, aos 93 anos. O autor estava internado no Hospital Curry Cabral, onde morreu de doença oncológica.
Eugénio Lisboa nasceu a 25 de maio de 1930 na então Lourenço Marques (atual Maputo), em Moçambique, e deixa uma vasta obra, desde mais de vinte títulos de ensaio e crítica literária, poesia, diário e memórias, tendo ainda organizado antologias de autores portugueses publicadas no Reino Unido.
Dedicou-se ao estudo da literatura portuguesa, particularmente do Neorrealismo, tendo lançado a primeira obra em 1957, "José Régio. Antologia, Nota Bibliográfica e Estudo", autor a quem dedicou muito do seu trabalho, seguindo-se, entre outros, "O Segundo Modernismo em Portugal" (1977) e "Poesia Portuguesa: do "Orpheu" ao Neorrealismo" (1980).
A editora Guerra & Paz lançou quatro obras de Eugénio Lisboa nos últimos anos: "Poemas em Tempo de Peste" (2020), "Vamos Ler! Um cânone para o leitor relutante" (2021), ensaio sobre a leitura, "Poemas em tempo de guerra suja" (2022), e "Soneto - Modo de usar", editado em abril.
Em 1947, Eugénio Lisboa saiu de Moçambique para Lisboa no intuito de estudar Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico, regressando a Moçambique em 1955, onde desenvolveu intensa atividade cultural, na imprensa, no Cineclube e no Rádio Clube, tendo codirigido com o amigo Rui Knopfli, os suplementos literários de jornais desafetos do regime colonial, casos de A Tribuna e A Voz de Moçambique.
Devido à censura do Estado Novo, usou os pseudónimos literários Armando Vieira de Sá, John Land e Lapiro da Fonseca.
Eugénio Lisboa, para quem a leitura era “um prazer, uma instrução e uma terapêutica”, deve a origem da sua paixão pelos livros a autores como Júlio Dinis, Voltaire, Stendhal, Mark Twain, Roger Martin du Gard, Hemingway ou Steinbeck entre muitos outros, e agradece também “à extinta PIDE, com a sua boçal e brutal vigilância, ter aguçado e apimentado [nele] o gosto pelas leituras proibidas”, declarou, numa entrevista à agência Lusa, em 2021.
Foi nessa altura que lançou o ensaio "Vamos Ler", uma obra que era, não só um convite aos leitores pouco frequentes, ou novos leitores, a abrirem portas à leitura de 35 obras de 50 autores portugueses com que vale a pena começar a ler, mas também um cânone para derrubar “o culto, de um snobismo provinciano, da ‘dificuldade’, do ‘aborrecido’, do ‘opaco’, da ‘circunvolução’, do ‘arrebicado’, do ‘complicado’, que confundem com o ‘complexo’” que impera na sociedade portuguesa”.
“O nosso meio literário, ao contrário do que costuma acontecer com o meio científico, é um pouco artificial, inautêntico, feito de aparências e poses que sempre me pareceram um bocadinho cómicas e pretensiosas. Os bons cientistas acham que quando um pensamento se não pode formular de maneira muito simples, é porque, provavelmente, não se está a ir por bom caminho, mas não poucos literatos privilegiam o tortuoso e o opaco, como sinais de profundidade: são gostos, mas, a meu ver, muito duvidosos”, afirmou o ensaísta na altura.
Além de escritor, ao longo da vida, Eugénio Lisboa foi, paralelamente, gestor de uma petrolífera e professor de literatura, deixando Moçambique em 1976, ano em que foi para França ocupar o cargo de diretor-geral da Compagnie Française des Pétroles, área da sua principal atividade profissional durante vinte anos (1958-78), em acumulação com a docência universitária de literatura portuguesa, nas universidades de Lourenço Marques, Pretória (1974-75) e Estocolmo (1977-78).
A partir de maio de 1978 exerceu funções diplomáticas, ocupando durante 17 anos consecutivos o cargo de conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Londres (1978-1995), e, mais tarde, presidiu à Comissão Nacional da UNESCO (1996-1998) e foi professor catedrático convidado da Universidade de Aveiro (1995-2000).
Em Portugal, Eugénio Lisboa teve colaboração dispersa no Jornal de Letras, LER, A Capital, Diário Popular, O Tempo e o Modo, Colóquio-Letras, Nova Renascença, Oceanos e outros, dirigiu a publicação, na Imprensa Nacional, das obras completas de José Régio, e assinou dezenas de introduções, prefácios, posfácios e recensões críticas.
Entre 1976 e 2016, lançou "José Régio. A Obra e o Homem", "José Régio. Uma Palavra Viva", "José Régio. A Confissão Relutante", "José Régio. Uma Literatura Viva", "O Essencial sobre José Régio", "No Eça nem com uma flor se toca: Eça visto por Régio", "Ler Régio" e "Correspondência com José Régio".
Membro da Academia das Ciências de Lisboa, na Classe de Letras, Eugénio Lisboa foi Doutor ‘Honoris Causa’ pela Universidade de Nottingham, do Reino Unido (1988) e pela Universidade de Aveiro (2002), e em 2018 recebeu o Prémio Tributo de Consagração, outorgado pela Fundação Quinta das Lágrimas, de Coimbra.
Foi agraciado com os graus de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1980), Comendador da Ordem do Mérito (1993) e Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico (2019).
Comentários