“Quisemos trazer para a rua o descontentamento da cidade quanto à desregulação do mercado imobiliário, ao aumento exponencial das rendas nos dois últimos anos, aos despejos no centro histórico, ao corte de apoios sociais em serviços de proximidade. Isto sente-se em toda a cidade, não só no centro”, afirmou Patrícia Martins, da organização do evento que começou às 15:00 na Praça General Humberto Delgado, em frente à Câmara do Porto, e que pelas 16:00 reunia cerca de 100 pessoas, de acordo com a PSP.
A responsável esclareceu ainda que a organização está a recolher “testemunhos e propostas” a partir dos quais pretendem “criar um documento para entregar às instituições públicas locais e nacionais”, designadamente na Assembleia da República, já que a iniciativa “O Porto não se Vende” está integrada na “Caravana pelo direito à habitação” e “esta é uma questão que tem de ser resolvida a nível nacional”.
Questionada pela Lusa sobre o número de despejos relacionados com a pressão imobiliária, Patrícia Martins disse ter “a informação” de estarem em causa “várias dezenas de pessoas nos últimos anos”, todas elas “convidadas a sair para os edifícios serem restaurados para transformar em alojamento local ou em casas para pessoas com maiores possibilidades económicas”.
Ana, de 50 anos, não quer revelar o apelido. É desempregada e mora no Porto, na Baixa, “num apartamento super velho, onde se veem os cabos elétricos, onde chovia dentro de casa”, por 250 euros mensais.
“O senhorio nunca fez uma obra e agora veio dizer que já não renova os contratos porque já tem dinheiro para fazer obras. Veio o turismo, já tem dinheiro. Ninguém queria aquilo. Quando fui para lá, estavam dois andares vagos. Agora quem é que protege os inquilinos”, questionou, em declarações à Lusa.
“Um dia a cidade vai ficar descaracterizada. Se tiramos a população, se pomos tudo em inglês, isto deixa de ser a cidade do Porto. Passa a ser um sítio de comes e bebes, e de roupa barata”, alertou.
Mário Silva, um designer gráfico de 38 anos, mora na freguesia de Ramalde, longe do centro do Porto, mas assegura que mesmo nas zonas mais periféricas “já se verifica que as rendas estão a sofrer inflação”.
“Pago 425 euros por T2 com garagem, num primeiro andar. Já vi casas iguais, na mesma zona, e estão para alugar por perto dos 700 euros. Quando o meu contrato terminar, se a renda inflacionar para preços semelhantes, é incomportável. Terei de fugir do Porto, e apostar na Maia, ou Ermesinde, ou nem isso”, descreveu.
Conceição Moreira, de 58 anos, mora na rua de Vilar, freguesia de Massarelos, e em agosto recebeu “ordem de despejo” da cada onde vive “há 31 anos” e onde paga pouco mais de 134 euros de renda.
“Deu-me ordem de despejo em agosto e queria que eu saísse já. Ainda tenho quatro anos de contrato. Até lá espero que a lei mude”, observa, explicando que o senhorio já transformou a casa que existia no primeiro andar “em dois T0, que aluga a turistas, tipo hostel”.
O movimento “O Porto não se Vende” foi convocado por “um grupo de pessoas do Porto, ativistas de diferentes associações e coletivos da cidade” que critica que a pressão da indústria do turismo (restauração, hotelaria, ‘souvenirs’) tenha “tornado o Porto num produto à disposição da especulação imobiliária”.
“Não estamos contra os/as turistas. Queremos uma cidade que possa ser visitada, mas que em primeiro lugar possa ser habitada. Uma cidade para viver e não uma cidade de compra e venda. É urgente proteger a habitação e as comunidades da cidade, as lojas de vizinhança, os espaços de convivência e de atividade cultural. A cidade não pode ser um negócio. As necessidades das pessoas que cá vivem têm de ser a prioridade de quem zela pelos interesses da população”, escrevem no manifesto.
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