“A prevenção do abuso sexual numa amostra de catequistas: avaliação de necessidades e crenças sobre a problemática” é o título de um dos três trabalhos, que resulta de uma tese da autoria de Inês Cordeiro, e que foi orientado por Joana Alexandre, professora auxiliar do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Social da mesma escola. Realizado no âmbito do Mestrado em Psicologia Comunitária, Proteção de Crianças e Jovens em Risco, um dos seus principais objetivos era compreender a perceção dos catequistas face à prevenção do abuso sexual infantil.

Um segundo estudo, da autoria de Beatriz Pires, procurou medir o conhecimento e as ideias associadas ao abuso sexual infantil em professores de Educação Moral Religiosa e Católica (EMRC). Com a mesma orientadora, este trabalho teve como coorientador Ricardo Barroso, psicólogo, professor associado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e investigador do Centro de Psicologia da Universidade do Porto. Neste caso, uma das suas principais conclusões revela que quase metade dos professores de EMRC considera que a maior parte dos agressores sexuais já tinha “antecedentes de violência na família” (45,8%) e que “o adulto abusador foi ele próprio vítima de abuso sexual quando criança ou adolescente” (41.1%) ou sofre de “doença mental” (39.1%).

O terceiro estudo teve os mesmos dois orientadores e tentou avaliar as “Vivências do celibato no contexto da Igreja Católica em Portugal” através de um “estudo quantitativo com membros de ordens religiosas”. Mas, do universo de padres, seminaristas e diáconos membros de ordens religiosas, e das menos de cinco mil freiras, apenas responderam 28 pessoas, acabando por ser validadas 25 respostas. Os resultados do inquérito permitiram concluir que “o celibato desempenha um papel central na vida dos membros de ordens religiosas”, observa a autora, Mariana Guerreiro.

Tempo na catequese é limitado para falar dos abusos

No primeiro estudo, a investigadora Inês Cordeiro procurou perceber junto de uma amostra composta por mais de 1.500 catequistas de 19 dioceses qual o seu nível de conhecimento sobre violência sexual de crianças ou pessoas especialmente vulneráveis (por razões de anonimato, não se refere a diocese de onde não houve respostas); em que medida os/as catequistas se sentem agentes de prevenção; de que modo se sentem confortáveis e capazes de assumir este papel; e que necessidades consideram existir, em termos formativos, nesta matéria.

Os resultados – baseados num questionário disponibilizado online à totalidade dos catequistas e numa entrevista em grupo com três deles – mostram que “os catequistas valorizam a formação nesta área para serem capazes de recorrer a materiais ou programas de prevenção, mas consideram que a responsabilidade é, sobretudo, das famílias”. Consideram que o tempo na catequese é limitado para abordar o tema e sublinham a importância de o incluir nas ações de formação e prevenção. Revelam ainda, na maioria dos casos, “incerteza quanto ao seu papel e aos temas a tratar”.

Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
910 846 589
apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência - AMCV
213 802 165
ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação - EIR UMAR
914 736 078
eir.centro@gmail.com

Do total de respondentes, menos de metade (713) dizem que abordam efetivamente a problemática do abuso sexual com os seus grupos de crianças e jovens, e a larga maioria (1.339 catequistas) afirma ser necessária “uma formação prévia para considerarem a possibilidade de integração de materiais de prevenção nos seus grupos de catequese”.

As áreas nas quais os catequistas consideram ter “maior necessidade de formação” são, de acordo com as respostas, a “prevenção primária ou universal do abuso sexual” e os “procedimentos de atuação em matéria de violência sexual” (ambas assinaladas por mais de mil catequistas).

“Abordagem muito portuguesinha”

Quando questionados sobre “que mudanças deveriam ser” concretizadas ao nível da catequese, “na tentativa de mitigar os casos de abuso sexual no contexto da Igreja Católica”, vários inquiridos referiram que estas formações deveriam “ter carácter obrigatório” e que seria importante “adequar melhor os catecismos a esta temática”. Mas outros manifestaram também algum desconforto relativamente à abordagem da mesma e defenderam que, para o fazerem, deveria mesmo ser necessário “o expresso consentimento dos pais”.

“Há todo o contexto cultural, tradicional, mesmo até de algum ponto de vista religioso que impede que as pessoas falem”, explicaram os três catequistas entrevistados na segunda fase do estudo. Pelo que a abordagem da temática dos abusos tem de ser “assim muito portuguesinha e com muitos paninhos quentes, para as famílias não pensarem que está a acontecer alguma coisa na nossa comunidade”.

Sobre o facto de apenas três pessoas terem aceitado uma entrevista, Joana Alexandre explica ao 7MARGENS que, apesar da colaboração do Secretariado Nacional da Educação Cristã, não houve “para estas entrevistas a recetividade” que os investigadores esperavam, “mas foi igualmente útil conversar com três pessoas”, já que isso permitiu “uma clarificação de alguns dos resultados do estudo quantitativo mais alargado”.

Houve ainda catequistas a expressar “preocupação com a distinção entre afetos e abusos na interação entre catequistas e crianças/jovens”, assinala a investigadora, e a associar a temática à ideologia de género, “acreditando que, de alguma forma, se interliga com a problemática do abuso sexual infantil”. Introduzir a temática nas catequeses acaba assim, muitas vezes “por ser um quebra-cabeças”, admitem os entrevistados.

Maior parte dos professores nunca teve formação sobre abuso

A importância da aplicação de materiais ou programas de prevenção do abuso sexual infantil foi também avaliada noutro contexto: o das aulas de EMRC. Neste caso, Beatriz Pires verificou que apenas 17 (8% dos respondentes) tiveram oportunidade de aplicar materiais de prevenção do abuso sexual infantil. Entre esses 17, apenas 5,3% consideraram a experiência como negativa. Por outro lado, 65,9% dos 214 respondentes “nunca participou em formações” sobre o tema do abuso sexual.

De entre as respostas que mais concordância mereceram, estão as afirmações de que há “medo, por parte da vítima, de que não acreditem nela” (96,8%), que há “ameaças por parte do abusador” (96,3%), há “ambivalência de sentimentos da vítima face ao abusador, uma vez que geralmente é seu conhecido e/ou familiar” (89,4%) e que há “ausência de denúncia por parte da vítima ou da família” (87,9%).

Do lado oposto, as afirmações que geraram mais discordância dos participantes estão a de que o “comportamento provocador da vítima” é uma das causas (95,3%, o que significa que entre os respondentes ainda há quem acredite que esse comportamento é uma causa do abuso). Também com altas taxas de discordância estão as afirmações de que a “falta de atenção por parte do cônjuge em relação ao abusador” (93,3%) e o “baixo grau de instrução do abusador” (92,2%) são fatores que facilitam ou desencadeiam o abuso sexual de crianças.

Para solucionar o problema, a maior parte dos professores que responderam sublinham a importância de “tornar os procedimentos nos tribunais mais rápidos e menos dolorosos” (97,8%), “estimular a denúncia das situações de abuso sexual” (97,4%) e “criar programas que trabalhem a assertividade das crianças, para que tenham a capacidade de dizer ‘não’ ao abusador” (97,3%). Outros 55% discordam da ideia de que o abusador deve ser esterilizado para diminuir “os seus impulsos sexuais”.

Uma das condições para participar no estudo era que os respondentes fossem professores da disciplina há pelo menos um ano. Do total dos 214 participantes, 117 eram do sexo feminino (54,7%); cerca de 26% dos participantes tinham idades abaixo dos 45 anos de idade, os restantes estavam acima dessa faixa etária. A maior parte deles (64,5%) leciona a disciplina há mais de 20 anos, e 77,1% têm-no feito sobretudo em escolas públicas.

No caso do terceiro estudo, sobre a vivência do celibato entre membros de ordens religiosas, os 25 respondentes eram 13 mulheres (religiosas) e 12 homens (dez padres, um seminarista e um frade), com idades entre os 23 e os 90 anos. As 25 respostas manifestam, analisa a autora, “um nível elevado de compromisso com o celibato”, que é considerado “um estado de graça” e no qual a experiência espiritual elevada parece desempenhar um papel essencial para enfrentar os desafios inerentes à sua condição. As respostas sugerem ainda que o aumento de vivências espirituais pode contribuir para a redução de dificuldades sexuais.

Os dados revelaram, no entanto, uma diferença entre homens e mulheres, com aqueles a relatarem maiores dificuldades em relação à sexualidade do que as participantes do sexo feminino.