Agricultores, criadores de gado e populações do concelho de Santa Cruz, na ilha de Santiago, falam de uma “situação desesperada”, com os campos de milho vazios, as culturas de banana e grogue a secarem antes da hora certa para serem colhidas e o pasto para os animais a faltar.
Foi este o cenário traçado e repetido, a cada paragem e a cada localidade, ao Presidente da República cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, que hoje foi ao terreno “tomar o pulso” à situação e levar uma palavra de “esperança e conforto às populações”.
Jorge Carlos Fonseca, que visitou várias localidades do concelho de Santa Cruz, onde se localizam duas das principais barragens da ilha de Santiago, foi ainda, a cada passo, confrontado com a cada vez mais frequente falta de água potável para consumo das populações.
No Poilão, os agricultores assinalaram a significativa descida do nível da barragem e o seu consequente assoreamento.
Para Carlos Tavares, presidente da Associação de Agricultores da Barragem do Poilão, além das dificuldades para os agricultores e da falta de pasto para o gado, as populações deparam-se com um “problema de água potável”, que, segundo defendeu, só poderá ser resolvido com recurso a furos.
Os agricultores lembram a situação de seca que se viveu no país em 2014 e asseguram que este ano, a barragem está com muito menos água e que a muito curto prazo deixará de haver água.
O Governo cabo-verdiano aprovou um plano de emergência para mitigação dos efeitos da seca e do mau ano agrícola, estimado em cerca de sete milhões de euros e que deverá abranger 17.200 famílias, mas está ainda a mobilizar recursos junto dos parceiros internacionais.
O plano tem como medidas prioritárias o salvamento de gado, mobilização de água, acesso a financiamento e criação de emprego, mas as populações queixam-se da demora e asseguram que ainda não sentiram as medidas no terreno.
Manuel Moreno Varela, um dos cerca de 300 agricultores da zona da barragem, apela para intervenção do chefe de Estado para acelerar o processo.
“Vivemos disto e precisamos trabalhar”, disse.
Em Rocha Lama, outra localidade de Santa Cruz, um conjunto de mulheres interpelaram Jorge Carlos Fonseca.
“Não há banana, os animais estão a morrer e eu e o meu marido estamos desempregados”, adiantou Isa.
História comum a muitos dos habitantes de Boaventura e Ribeirão Boi, localidades nas imediações da barragem de Figueira Gorda, onde, apesar de existir água não é possível fazê-la chegar aos campos.
Os sistemas de distribuição não existem, apesar de a barragem estar concluída há vários anos, e as bombas e reservatórios dos furos estão avariados ou a funcionar deficientemente.
“Não temos pasto suficiente e os animais já estão a ser vendidos ao desbarato. Temos água, mas não a conseguimos levar até aos campos e há seis meses que não temos água nas torneiras”, disse Luís Barros.
O agricultor, que falava em nome da comunidade, considerou que “o momento é sério” para a população de cerca de 100 pessoas, numa localidade de difíceis acessos e onde os autotanques de abastecimento camarário não conseguem descer.
Para Jovino, um criador de gado de Achada Fátima, a mobilização de água é também “o grande problema” na sua localidade.
Com a crescente falta de pasto, os criadores estão já a abater parte dos animais e a vender a carne a preços muito mais baixos do que habitualmente na expectativa de minimizar os prejuízos.
“Habitualmente vendíamos o quilo de carne a 800 escudos (cerca de 7,5 euros), estamos a vender a 600 (cerca de 5,5 euros) e 500 (cerca de 4,5 euros)”, disse, admitindo que a falta de planeamento de muitos agricultores e criadores de gado também contribuiu para o agravar da situação.
“No ano passado, houve muito pasto, mas ninguém guardou para este ano”, disse.
Depois de ouvir as queixas, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, sublinhou a urgência nas medidas a adotar para responder às populações.
“Há questões que exigem soluções rápidas e adequadas seja do ponto de vista do salvamento do gado, seja do acesso à água para beber e para a agricultura e também do ponto de vista do trabalho para as famílias para que possam ter um mínimo de rendimentos e ultrapassar este período”, disse Jorge Carlos Fonseca.
O chefe de Estado, que sexta-feira manteve uma reunião com o Governo sobre este tema, disse que o Executivo tem noção das necessidades e que estima até final do mês de novembro ver as medidas aplicadas no terreno.
“O problema é que num clima normal de alguma ansiedade e de alguma preocupação, as soluções e as medidas têm que ser rápidas. Tem que se agilizar os processos e minimizar o máximo possível as teias burocráticas”, sublinhou.
O Presidente cabo-verdiano disse ainda que tentou passar às populações uma “palavra de conforto, de esperança e de confiança de que as soluções chegarão a tempo”.
Jorge Carlos Fonseca considerou, por outro lado, que tanto as populações como as autoridades devem “pensar estas questões com mais previsibilidade”.
“A seca em Cabo Verde pode acontecer em qualquer ano. Temos que nos preparar para enfrentar as secas sem necessidade de no próprio momento de seca estarmos à procura dos apoios, a mobilizar os recursos e os parceiros. Temos que aprender a viver com isso e ter capacidade de previsibilidade e prevenção”, disse.
Defendeu, por isso, a criação de um fundo permanente para responder às situações de catástrofe e emergência.
Cabo Verde registou este ano níveis muito baixos de chuva, o que comprometeu quase na totalidade a campanha agrícola no país.
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