No quotidiano, há uma perceção de insegurança entre os moradores, conta Rui Varela, camionista.
“Saio do cais para casa, à noite. Tenho de apanhar um táxi e, quando desço, espreito primeiro. E ligo logo à minha mulher para abrir a porta de casa”, descreve o homem que não quer passar nem um segundo a mais na rua escura, com medo de ser assaltado, no bairro de Ponta D’Água, o mesmo onde Nilsa Lima foi assassinada.
Mas desengane-se quem pensa que a criminalidade é um exclusivo de bairros periféricos como aquele, com menos recursos, porque os dados das autoridades mostram que as zonas centrais e abastadas são as que têm mais participações, refere José Rebelo, académico e auditor de segurança interna.
E aqui levanta-se outra questão: o sociólogo Redy Lima admite que na orla da cidade os residentes façam menos queixas à polícia, preferindo, por vezes, recorrer a grupos de bairro para resolver os seus problemas de segurança.
A mais recente vítima da criminalidade, Nilsa Lima, “era uma menina mansa”, descreve um familiar direto, sob anonimato, por temer represálias do suposto grupo que a atacou.
Usa a palavra para ilustrar a pacatez da jovem estudante que se preparava para concluir a escolaridade obrigatória.
“Eu ia colocar-lhe a fita” na cerimónia de graduação do 12.º ano, refere outro familiar.
Só que na noite de 14 para 15 de agosto, enquanto estava na rua com amigos, “foi alvo de um disparo” nas costas “quando tentava fugir de uma investida perpetrada por dois indivíduos”, lê-se no relato da polícia — que garante ter chegado rapidamente ao local e ainda a ter socorrido.
Há dois suspeitos em prisão preventiva, de 19 e 22 anos, residentes em Vila Nova, bairro vizinho.
Nas ruas fala-se de rivalidade entre grupos, como já há mais de uma década existia na Ponta D’Água, e delinquência pura, com acesso ilegal a armas.
O tema da segurança ainda não tinha arrefecido: em 28 de maio, Manuel Moura, deputado, foi baleado, surpreendido por um assalto à porta de casa em Terra Branca, outra zona – na altura já havia alarme por causa de outros ‘kasubody’ (do inglês, ‘cash or body’, um assalto) e homicídios.
Em relação a estes crimes, no ano judicial 2020/21, o Ministério Público movimentou 46 processos de homicídios simples e agravados, uma descida face a 63 no ano anterior.
O assunto foi ao parlamento em junho e o ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, disse que “o Governo está empenhado em reforçar a segurança”.
Em fevereiro, o Tribunal da Praia decretou a prisão preventiva para 44 suspeitos detidos numa megaoperação conjunta da Polícia Nacional e da Polícia Judiciária visando a criminalidade na capital.
Mas a população duvida: “a polícia não têm força”, queixa-se Mário Gomes, 46 anos, à conversa com amigos na praça do centro de saúde de Ponta D’Água.
“Não podem bater, porque senão ficam sem farda. Nem atirar, porque vão lhes tomar as armas. Nesta situação, a polícia está sem força e eles [criminosos] não a respeitam”, sintetiza outro morador.
Mário Gomes elogia a força da antiga Brigada Anti-Crime (BAC) da polícia cabo-verdiana, quando se questiona se é essa força musculada que faz falta.
Mas Redy Lima duvida que assim seja: “quando a BAC estava em ação”, entre 2005 e 2016, “em Ponta d’Água também não havia calmaria. A própria BAC matou lá”, refere.
“Não podemos ter uma polícia militarizada, de cara tapada, permanentemente na rua”, destaca, realçando que é preciso atacar os problemas estruturais — e isso envolve a governação social e económica, não apenas ação policial, numa capital com 200 mil habitantes e mais de 40 bairros.
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