“Normalmente, não comentamos decisões judiciais. Esperamos que todas as autoridades nacionais e partes atuem de acordo com as regras e procedimentos a nível nacional”, afirmou o porta-voz para a Justiça da Comissão Europeia (CE), Christian Wigand, durante a conferência de imprensa diária do executivo comunitário, em Bruxelas.
O porta-voz da CE não quis comentar de forma direta a decisão do Tribunal Constitucional espanhol, que travou um processo legislativo que tinha como objetivo alterar a forma de eleição de juízes do próprio TC e do Conselho Geral do Poder Judicial, assim como o conteúdo da iniciativa.
Christian Wigand disse que Bruxelas segue “de perto” e acompanha as reformas na área da justiça no contexto do relatório anual que produz sobre o Estado de direito nos países da União Europeia.
Este relatório tem reiteradamente sublinhado, no caso de Espanha, a falha na substituição dos juízes do Conselho Superior Judicial, bloqueada há quatro anos por falta de acordo entre o Partido Popular (PP, direita, na oposição) e os partidos no governo (socialistas e plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos).
O TC de Espanha decidiu na segunda-feira à noite impedir o debate e votação de uma iniciativa no Senado, numa decisão inédita na democracia espanhola de ingerência na atividade parlamentar.
A decisão foi tomada pelos juízes do TC a pedido do PP, que solicitou uma medida cautelar e invocou que foram atropelados procedimentos parlamentares, por parte dos partidos no Governo, que recorreram a mecanismos que permitiriam concretizar as mudanças legislativas em poucos dias e sem debate no Congresso e no Senado, as duas câmaras das Cortes espanholas.
Para o PP, os deputados e senadores foram impedidos de exercer os seus direitos constitucionais de participação política e estando em causa mudanças em leis fundamentais, relacionadas com o funcionamento de órgãos judiciais e que são o garante do cumprimento da própria Constituição.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, o presidente do Senado, Ander Gil, a presidente do Congresso, Meritxell Batet – todos do partido Socialista (PSOE) – já disseram que vão acatar a decisão do TC, por respeitarem as instituições do Estado de direito, mas anunciaram que a vão contestar e sublinharam a sua gravidade, por violar o princípio da soberania popular.
As mudanças na eleição dos juízes do TC e do Conselho do Poder Judicial pretendiam diminuir as maiorias necessárias para as escolhas de alguns dos magistrados.
O PP recusa fazer acordos com o PSOE por o Governo espanhol fazer pactos e negociar com partidos independentistas catalães e bascos, que querem “romper Espanha” e atentam contra a Constituição.
Perante a falta de acordo, não há no TC ou no Conselho do Poder Judicial, atualmente, juízes indicados na legislatura iniciada em 2019, em que governa a esquerda.
No Conselho do Poder Judicial e no TC há juízes com mandatos caducados, em alguns casos há anos, e mantém-se nos dois órgãos uma “maioria conservadora”, conectada com o PP e a direita em geral.
Para contornar o bloqueio, PSOE e Unidas Podemos usaram a figura das “emendas” e da “tramitação urgente” previstas no regulamento parlamentar para fazer a alteração legislativa que ia ser votada no Senado na próxima quinta-feira e que já tinha sido aprovada pelo Congresso na semana passada, pela maioria formada pelos dois partidos no Governo e partidos nacionalistas bascos e catalães, entre outras formações.
A forma como PSOE e Unidas Podemos queriam fazer aprovar esta mudança no funcionamento de dois órgãos tão sensíveis como o TC ou o Conselho do Poder Judicial tem sido criticada por ser “um atalho” ou “um atropelo” legislativo, que impede o debate parlamentar.
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