Conhecido pelos seus comentários ofensivos contra as minorias e pelo seu apoio à ditadura militar (1964-1985), o capitão da reserva do Exército direcionou a sua fúria ao jornal Folha de S.Paulo num vídeo transmitido ao vivo para uma multidão de apoiantes no domingo passado.
"A Folha de S.Paulo é a maior [produtora de] 'fake news' [notícias falsas] do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo", advertiu o favorito nas sondagens para a segunda volta contra o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad — 55% vs 45% segundo a última sondagem da Data Folha.
Bolsonaro, que dias antes havia prometido por escrito respeitar a liberdade de informação e de expressão, atacou o jornal Jornal Folha de São Paulo, que divulgou uma reportagem sobre a alegada compra da divulgação massiva de informações falsas através do WhatsApp contra o PT. Esta campanha terá sido realizada antes da primeira volta das presidenciais e supostamente patrocinada por empresários que apoiam Bolsonaro.
"O candidato demonstrou diversas vezes que não compreende o papel e o trabalho dos órgãos de imprensa. Evita questionamentos diretos, responde muitas vezes de forma agressiva e desrespeitosa aos repórteres (...) Se eleito, é factível prever mais turbulências", disse à AFP Paula Cesarino, provedor do leitor da Folha.
No Twitter, onde conta com mais de 1,9 milhões de seguidores, Bolsonaro tem usado expressões como "imprensa lixo" e numa recente entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre, colocou como condição apenas receber perguntas do apresentador do programa. O jornalista Juremir Machado, que há 10 anos fazia parte da equipa, decidiu pedir demissão imediatamente por essa exigência "humilhante".
Desde que levou uma facada durante um comício em 6 de setembro, Bolsonaro parou de ir ao espaço público e optou por fazer transmissões pelo Facebook, nas quais aborda o que foi publicado pela imprensa. É uma via direta sem contraditório: ninguém pergunta, ninguém responde.
"Mas diante dos seus apoiantes esse discurso se transforma em ação: assédio dirigido, ameaças e até violência física" contra jornalistas, disse à AFP Marina Iemini, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
A Abraji documentou pelo menos 141 episódios de violência e ameaças contra jornalistas durante esta campanha, a maior parte "atribuída a apoiantes de Bolsonaro".
A jornalista da Folha Patrícia Campos, que revelou o suposto esquema de financiamento de "fake news" para favorecer Bolsonaro através do WhatsApp, denunciou ligações com o objetivo de intimidar e assédio moral nas redes.
"Jair Bolsonaro é uma grave ameaça à liberdade de imprensa e à democracia", alertou Christophe Deloire, da Repórteres Sem Fronteiras.
A situação evoca o que está a acontecer nos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump desqualifica os órgãos de comunicação social como fábricas de "fake news".
"A ANJ espera que um possível governo do candidato Bolsonaro não siga essa mesma linha de colocar a opinião pública, a população, os cidadãos, contra os veículos de comunicação. Isso é muito ruim para a democracia (...) e pode chegar até a estimular a violência", advertiu Ricardo Pedreira, diretor da Associação Nacional de Jornalistas.
Antes de ameaçar a Folha, Bolsonaro questionou os biliões recebidos pela Rede Globo em publicidade oficial.
O certo é que os meios de comunicação social, de forma geral, estão a receber menos dinheiro por espaços publicitários devido à crise económica.
Em 2016, a TV Globo sofreu um corte de 26% com relação a 2015 e, no caso da Folha, a redução foi de 54,2%, segundo dados do site especializado Poder360.
"No caso da Folha, a publicidade governamental é muito pequena em comparação com anunciantes privados", o que faz com que esse tipo de pressão tenha um efeito limitado, declarou a provedora do jornal.
A Globo informou que a propaganda oficial corresponde a menos de 4% das suas receitas de publicidade.
Não obstante, segundo analistas, o Executivo poderia pressionar a imprensa regional de forma ainda mais efetiva.
Os governos do PT também enfrentaram a grande imprensa e consideraram acabar com o monopólio mediático no país, numa ameaça dirigida ao grupo Globo. Nenhuma lei foi para a frente, mas, em alguns casos, houve cortes na publicidade oficial.
Caso venha a vencer as eleições, "a possibilidade de que Bolsonaro priorize o uso das redes sociais na sua comunicação com a população em detrimento dos media tradicionais é grande", comentou a diretora da Abraji.
Contudo, os meios de comunicação podem também revalidar-se, como está a acontecer nos Estados Unidos face aos ataques de Trump.
"Menos discursos (oficiais), mais investigação, análise, contextualização, narrativas atraentes. Tudo está mudando. Tanto a forma de governar como de informar sobre o governo", destaca Paula Cesarino.
Por Hector Velasco/AFP
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