Um dia depois da divulgação de uma investigação conjunta do semanário Expresso e do jornal britânico The Guardian, segundo a qual vários empresários estrangeiros envolvidos em casos de corrupção, como os brasileiros Otávio Azevedo e Pedro Novis, ligados a duas construtoras, obtiveram autorização de residência em Portugal, o executivo comunitário escusou-se hoje a “especular” sobre o caso específico de Portugal, mas garantiu que está atento ao fenómeno e adiantou que no próximo ano estará em condições de analisar a situação em cada Estado-membro.
O porta-voz do executivo comunitário, Margaritis Schinas, começou por lembrar que “as condições para obter e conceder cidadania nacional são reguladas pela legislação nacional de cada Estado-membro, mas respeitando a lei da União europeia”, e sublinhou que o elemento-central de todo o processo, previsto na lei internacional, é a existência de um “laço genuíno” entre os candidatos a cidadania e o país em causa ou seus cidadãos.
“A cidadania nacional é a pré-condição para a cidadania europeia e a porta de entrada para os direitos dos Tratados, pelo que os Estados-membros devem usar as suas prerrogativas para conceder cidadania num espírito de cooperação sincera com os outros Estados-membros”, enfatizou.
De acordo com o porta-voz, “a Comissão continua a monitorizar os regimes de investimento, incluindo as suas aplicações, para se assegurar de que existe esse laço genuíno entre investidores e o país da UE que os atribui”.
“A Comissão vai elaborar no próximo ano um relatório sobre todos os regimes nacionais que concedem cidadania e residência aos investidores, para providenciar mais orientações aos Estados-membros”, apontou.
Questionado sobre o caso específico de Portugal, escusou-se a tecer comentários, remetendo para o anúncio da análise dos regimes em vigor em cada Estado-membro.
“Não vou especular, mas acho que fui muito claro quando disse que neste relatório que vamos produzir no próximo ano estarmos em condições de avaliar a forma como os regimes são implementados nos nossos Estados-membros e dar mais diretrizes, para que este laço genuíno, que é o elemento central em todo este processo, é salvaguardado”, declarou.
Segundo a investigação do Expresso e do The Guardian, divulgada na segunda-feira em ambos os jornais, vários estrangeiros implicados em casos de corrupção “compraram de forma sigilosa o seu acesso à Europa através do Governo português”, obtendo uma Autorizações de Residência para Investimento (ARI), conhecida como ‘Visto Gold’.
“O sector imobiliário tem sido atraente para os criminosos, pelo potencial que tem para lavar grandes quantidades de dinheiro numa única transação”, afirmam os dois jornais.
Entre os cidadãos revelados na investigação estão Otávio Azevedo, antigo presidente da multinacional brasileira de construção Andrade Gutierrez, condenado em 2016 a 18 anos de prisão por crimes de corrupção. Em 2014 o empresário comprou um imóvel em Lisboa de 1,4 milhões de euros e pediu um ‘visto gold’.
Também em 2014, o presidente daquela empresa, Sérgio Lins Andrade, comprou um imóvel em Lisboa através do regime de ‘vistos dourados’ por 665.000 euros. O nome do empresário surge ligado à investigação ‘Lava Jato’, no Brasil.
Entre os nomes que constam no documento estão familiares do vice-presidente de Angola Manuel Vicente, que até 2012 liderou a companhia petrolífera estatal Sonangol e que está acusado em Portugal por corrupção.
Pedro Novis, antigo presidente da construtora Odebrecht, e o secretário de Estado angolano para as Tecnologias de Informação, Pedro Sebastião Teta, também aparecem referenciados.
O regime de ‘Vistos Gold’, em vigor desde 2012, permite que cidadãos estrangeiros “possam obter uma autorização de residência temporária para atividade de investimento” sem precisar de “visto de residência para entrar” em Portugal.
Em troca da autorização, têm de cumprir determinados requisitos, como, por exemplo, transferir capitais no montante igual ou superior a um milhão de euros ou criar pelo menos dez postos de trabalho ou comprar bens imóveis no valor de, pelo menos, 500.000 euros.
De acordo com os dados mais recentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), desde 2012 foram atribuídas 5.243 ARI, representando 3,2 mil milhões de euros (3.223.403.061,34 euros) de investimento.
Deste montante, 311 milhões de euros foram captados por via da transferência de capital e 2,9 mil milhões de euros mediante o critério da compra de bens imóveis.
Com dados disponíveis até julho, o SEF indica que só este ano foram atribuídas 1.041 autorizações.
A maioria dos cidadãos que obtém aquele visto é da China, seguindo-se os de nacionalidade brasileira, sul-africana, russa e libanesa.
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