Em causa está um vídeo, divulgado em outubro do ano passado, no qual o diretor do Agrupamento Escolar de Santa Catarina, em Linda-a-Velha, Oeiras, aparece a falar sobre variados assuntos relacionados com educação e o meio escolar.
A parte que indignou a AMPLOS diz respeito ao momento em que Hernâni Pinho é questionado sobre a forma como vê o futuro da educação em Portugal e responde que não antevê dias fáceis, apontando que “antigamente era tudo mais linear até nas coisas mais elementares” e que “a identidade de género (…) introduz muita entropia no sistema”.
Assume que “as questões de identidade de género já estão a ser muito difíceis de gerir” e dá como exemplo o facto de ter recebido uma carta de um encarregado de educação a pedir que o filho seja tratado “por um determinado nome que não vem no cartão de identificação” e que cita a legislação, admitindo que enquanto diretor de escola tem um “patrão”, ao qual deve lealdade, ao mesmo tempo que questiona essa mesma legislação.
“Então e se para o próximo mês ela resolver arranjar outro nome? Nós temos de estar sujeitos a isso? Os professores têm de estar sujeitos a isto? E se depois decidir que não é uma pessoa e que é uma galinha? Nós temos de estar sujeitos a isto”, questiona, não especificando exatamente a que é que ficam sujeitos.
Questiona o facto de se educar crianças no jardim-de-infância “a colocar questões como sentes-te mais atraído por rapazes ou raparigas”.
“E estar a dizer ao Pedrinho ‘podes sentir-te à vontade se quiseres trazer uma saia amanhã, não há problema nenhum com isso’. Isto é terrível, o que está a acontecer a algumas escolas do país. Felizmente, na nossa, estamos serenos em relação a essa parte, até porque o Conselho Pedagógico também não se revê nisso. Mas é preciso acordarmos a tempo”, defende.
Em declarações à agência Lusa, a vice-presidente da AMPLOS adiantou que a associação já apresentou queixa contra o diretor e docente junto do Ministério da Educação, Secretaria de Estado da Educação, Direção-geral dos Estabelecimentos Escolares (DGESTE), na Inspeção-geral da Educação e na Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).
“Porque achamos que estas declarações são transfóbicas. Consideramos que o senhor não está a cumprir a lei, embora, no vídeo, ele diga que tem conhecimento dessa lei”, disse Isabel Rodrigues.
A responsável explicou à Lusa que encontrou o vídeo depois de a associação ter procurado informação sobre o diretor, na sequência de um pedido de ajuda por parte de uns pais, cujo filho, um jovem trans, frequenta uma das escolas daquele agrupamento.
“Achamos que, definitivamente, tem que se começar a fazer queixa e as pessoas têm de ser responsabilizadas por estas situações”, defendeu, acrescentando que o caso do vídeo tem uma outra gravidade pelo facto de o professor ser também ele diretor do agrupamento de escolas.
“Do que sabemos, o entrave [para a resolução do caso do jovem trans] vem da parte deste diretor”, acrescentou Isabel Rodrigues.
Confrontado com as acusações e com as queixas que a AMPLOS apresentou contra si, Hernâni Pinho respondeu à Lusa que só podem ser por má-fé ou desconhecimento, admitindo, no entanto, que se trata de uma “matéria muito escorregadia” e mantendo as declarações que fez.
Refere que no vídeo deu a sua opinião pessoal sobre o assunto, apesar de estar claramente identificado como diretor do agrupamento de escolas, garantindo que o agrupamento escolar que dirige cumpre com a legislação.
“Nem pode ser de outra maneira, se não só tinha um caminho a seguir que era apresentar a minha demissão”, afirmou, garantindo que quando se trata de uma decisão consciente e participada, toda a escola respeita e apoia.
No entanto, questiona que se coloque em cima de “um jovem a possibilidade de estar a alterar um nome que foi dado oficialmente por questões que são eventualmente superficiais, questões de momento, questões que podem ser alteradas passado uma semana ou dois meses”.
“Aquilo que eu penso é que a escola e os professores, que são entidades merecedoras de respeito, não devem estar sujeitas a esse tipo de oscilações fáceis de fazer”, defendeu.
Para a AMPLOS, por outro lado, “as escolas têm de ser lugares seguros, humanos, dignos” e salienta que as “posições públicas” do diretor “criaram sofrimento e angústia, entre outras consequências, tendo havido necessidade de acompanhamento psicológico” do jovem trans, que quer ser tratado por um nome masculino, mas sobre quem o diretor se refere sempre como rapariga.
A associação disse ainda que esta é a primeira queixa nestes moldes que apresenta, apesar de ter conhecimento de várias escolas que “põem alguns entraves”.
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