Com o cenário da guerra num passado longínquo e com um futuro promissor no horizonte, os elementos das famílias que falaram com a Lusa explicaram que, apesar de não festejarem a quadra, participaram no evento por ser uma oportunidade de “festa e convívio”.
Aya Kahwaji, de 19 anos, foi a porta-voz da família de 13 elementos que chegou a São João da Madeira a 28 de novembro, depois de sete anos no Egito. Partilha casa com o pai, a mãe, os irmãos gémeos mais novos, um outro irmão mais velho e a avó paterna. Os tios e dois primos vivem noutra casa.
“Aqui é melhor para os estudos e para o meu pai trabalhar. A vida aqui é melhor. Vamos para a escola durante o dia, de resto gostamos de ficar por casa ou vamos ao centro comercial comprar comida. Gosto muito das pessoas aqui, são muito queridas. Sorriem na rua e cumprimentam-nos sempre”, disse em inglês.
Aya tem tido aulas de português na Escola Serafim Leite, enquanto a família tem aulas com voluntários do Corpo Europeu de Solidariedade para ultrapassar a barreira linguística que impede o pai de Aya, Noor Kahwaji, de entrar no mercado de trabalho, depois de uma experiência num supermercado egípcio.
“Quero ir para a universidade no próximo ano, estudar Medicina ou Farmácia. O meu irmão mais velho [Hadi Kahwaji, de 21 anos] também quer, vai estudar Engenharia, por agora tem aulas de português. Temos a escola secundária completa no Egito. Queremos ficar aqui o resto da vida”, contou.
A família de Ibrahimi Kanjo e Surya Al Haj Hussein também esteve presente, a “convite de amigos”, com os três filhos Ahmad, Marian e Mohammad, de cinco, quatro e três anos, respetivamente.
Fugiram de Alepo em 2014 e chegaram a Portugal há três anos. Assentaram no concelho de Santa Maria da Feira, com ajuda da Associação Pelo Prazer de Viver, de Mozelos.
Foram da Síria para o Líbano, depois para a Turquia, seguiu-se a Grécia, até chegarem ao novo lar, onde já estão integrados na sociedade e a língua vai deixando de ser um obstáculo.
Ibrahimi era costureiro no seu país e agora também faz casacos, recentemente conseguiu obter o passaporte para três filhos de uma outra relação, que também vêm para Portugal – uma prenda de Natal antecipada.
“A vila é muito ‘fixe’, nas grandes cidades há muita gente e ninguém nos cumprimentava. Aqui cumprimentam sempre! Queremos ficar em Portugal, faltam dois anos até conseguirmos a nacionalidade. Gostamos desta época do Natal, não fazemos festa, mas vamos aproveitar para passear”, contou, em português ‘arranhado’, o alfaiate de 46 anos que reside atualmente em Escapães, Santa Maria da Feira.
A Cruz Vermelha de São João da Madeira apoia estas famílias durante 18 meses, seja com habitação e alimentação, mas também com educação e formação profissional, tendo sob a sua alçada atualmente a família de Aya, outra de sete elementos vindos do Sudão do Sul e, desde sábado, um acolhimento urgente de uma mãe dois filhos de nacionalidade síria.
Segundo a diretora, Joana Correia, tem havido dificuldades na integração dos sudaneses que, apesar de católicos, não participaram na ceia de Natal, problemas que não têm acontecido com a família Kahawji, que tem tido um “excelente” processo de adaptação e cujos contratempos são meramente “logísticos”.
“Já vieram com algumas competências linguísticas e nas últimas semanas desenvolveram-se de uma forma brutal. Não se fecham em nenhum momento, o que poderia acontecer visto que se trata de um jantar de Natal. Poderia ser um fator de exclusão, mas eles ultrapassam essas questões em prol da sua integração”, apontou.
Segundo a responsável, para uma integração mais célere o “importante é ter já tudo preparado”, ou seja, “matrículas feitas na escola para que as crianças no dia seguinte possam ir imediatamente para a escola” e os adultos para aulas de português, de forma a não criar um espaço temporal que se transforme numa “situação atípica”.
A diretora acrescentou que a família de Aya vai começar um curso no Centro de Formação e Calçado da cidade, na segunda semana de janeiro.
Elena García, de 24 anos, veio de Sevilha, Espanha, inserida no programa Corpo Europeu de Solidariedade e faz parte do trio de voluntários que ensina português e inglês a estas famílias. Tirou Psicologia e trabalhou como terapeuta nas áreas de psicodrama e arte-terapia, mas queria experimentar a “área social e fazer voluntariado” num país como Portugal.
“O nosso papel é ser uma figura mais informal do que a instituição. Temos uma relação menos tensa, eles não nos pedem coisas, pedem à Joana [Correia], nós somos os ‘miúdos fixes’, os amigos. As aulas são muito interativas, concentramo-nos na comunicação oral. Começamos com um jogo para aprenderem os números, depois simulamos uma situação como comprar um bilhete de comboio em que um é o cliente e outro é o revisor”, detalhou.
Segundo a espanhola, as aulas são importantes não só por causa da linguagem, mas também para dar uma “estrutura durante a semana, para que não fiquem muito em casa e se retraiam”, por isso estes voluntários também organizam passeios e outros encontros informais.
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