Em declarações à imprensa após ter participado, em Haia, num jantar de trabalho informal de alguns chefes de Estado e de Governo europeus com o secretário-geral da NATO, António Costa voltou a defender que aquilo que a Ucrânia mais precisa agora é de respostas imediatas e práticas, e não de questões legais e jurídicas relacionadas com o processo de adesão ao bloco europeu, necessariamente moroso, o que pode criar frustração.
“É preciso ter cuidado em evitar criar falsas expetativas, porque estas frustrações têm um efeito ricochete muito duro sobre a União Europeia. Hoje, o apoio à UE em muitos dos países dos Balcãs Ocidentais já é muito inferior ao que era, fruto desta frustração”, salientou.
António Costa recordou que vários países daquela região “há anos que já foram admitidos como candidatos, e que, ano após ano, veem ou que não se abrem as negociações, ou que as negociações estão abertas e estão congeladas, ou que nunca mais se chega a resultados, e isso vai acumulando frustrações”.
“Ora, a última coisa que o povo ucraniano merece é frustração. Portanto, aquilo que necessitam, e que nós temos o dever de assegurar, é aquilo que podemos fazer e que tem efeito imediato: apoio financeiro, apoio militar, apoio humanitário e apoio político”, disse o primeiro-ministro, que também deu o exemplo de outro país, a Turquia, ao qual foi concedido há muito o estatuto de país candidato, sem qualquer consequência.
O primeiro-ministro apontou que “há muita gente que entende que o facto de a Turquia ter o estatuto de candidato de uma forma inconsequente há mais de 50 anos explica muito da involução que existiu na Turquia, designadamente em termos de laicidade”.
“Portanto, temos de ter muito cuidado para não dar nenhum sinal que quebre o ânimo extraordinário do povo ucraniano nesta guerra tão desigual que está a travar […] e não criar falsas expectativas e desperdiçar a energia que temos em questões legais e estatutárias em vez de fazer aquilo que importa fazer”.
Por outro lado, o primeiro-ministro advertiu que a questão pode também quebrar a forte unidade que a UE tem revelado desde o início da agressão militar da Rússia, e que considerou a sua grande força na resposta a Moscovo.
“Uma das grandes forças que tem permitido este apoio tão sólido à Ucrânia é precisamente a essência desta unidade na UE”, e “quebrar esta unidade é enfraquecer a Ucrânia, é enfraquecer o apoio à Ucrânia, por melhores que sejam as intenções”, afirmou, sublinhando que este é um tema que divide os 27.
“Como todos sabemos, entre os 27 Estados-membros não há uma posição unânime sobre esse tema. E é muito duvidoso que venha a haver daqui até à próxima semana”, disse, referindo-se ao Conselho Europeu de 23 e 24 de junho, no qual deverá ser analisado o parecer que a Comissão Europeia deverá emitir na próxima sexta-feira à candidatura da Ucrânia à adesão ao bloco comunitário.
Segundo Costa, “muita coisa que pode ser feita sem dividir a UE, e que não seja um estatuto legal [de país candidato], cujos efeitos práticos só serão vistos muito mais tarde”, e uma das possibilidades que identificou prende-se com o acordo de associação entre o bloco comunitário e a Ucrânia, que pode ser melhorado para permitir, por exemplo, a liberdade de circulação, assim como levantar as barreiras à circulação de bens ucranianos no mercado interno da UE.
“Em vez de nos dividirmos em torno de questões jurídicas e de questões legais, é melhor reforçar a nossa unidade em respostas concretas para aquilo que os ucranianos e a Ucrânia precisa hoje, e é aí que nos devemos concentrar”, insistiu.
“É difícil falar da Ucrânia sem ser com uma enorme carga emocional, porque todos nós ficámos esmagados pela brutalidade, pela violência das imagens que vemos no terreno. Eu, que estive lá, nunca me esquecerei das imagens que vi em Irpin. Agora, nós temos de pensar para além das emoções. A política às vezes é assim, tem esta parte desagradável: não nos permite só pensar com o coração, é preciso também pensar com a cabeça”, concluiu.
António Costa falava no final de um jantar de trabalho restrito de chefes de Estado e de Governo da NATO com o secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg, oferecido pelos primeiros-ministros dos Países Baixos, Mark Rutte, e da Dinamarca, Mete Frederiksen, a cerca de duas semanas da cimeira da organização que se celebrará em Madrid a 29 e 30 de junho.
No encontro, realizado na residência oficial do chefe de Governo holandês, participaram ainda os primeiros-ministros da Bélgica, Alexander de Croo, da Polónia, Mateusz Morawiecki, e da Letónia, Krisjanis Karins, e o Presidente da Roménia, Klaus Iohannis.
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