Não importava se estes contactos pudessem expô-lo a uma recaptura. "El Chapo" estava decidido a contar uma versão épica e romântica da sua vida. Mas depois das suas tentativas terem sido rejeitadas por jornalistas e inclusive pelo ex-traficante colombiano Andrés López López, ele acabou por encontrar a resposta que procurava na atriz Kate Del Castillo, que agora prepara um filme sobre a sua vida.
Na realidade, o governo mexicano confirmou que os contactos de "El Chapo" com uma das maiores estrelas da televisão mexicana acabaram por levar à sua recaptura, em janeiro, depois de Guzmán se ter reunido com Kate e com Sean Penn num encontro clandestino que Penn descreveu num polémico artigo publicado na revista Rolling Stone.
Mas a obsessão para contar a sua história perseguia "El Chapo" há muito tempo e, aparentemente, aumentou durante o período em que esteve preso em El Altiplano, entre fevereiro de 2014 e julho de 2015, antes de fugir pela segunda vez da prisão através de um túnel escavado no chão da sua cela.
"Comecei a receber 80 mil mensagens pelo Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp, telefonemas, tudo o que puder imaginar... E eram pessoas da parte de Chapo Guzmán, os seus advogados", explicou à AFP Andrés López López, ex-membro do cartel colombiano Norte del Valle, e hoje um escritor bem sucedido de livros sobre o narcotráfico.
López foi surpreendido pelos telefonemas porque, quando tentou entrevistar o líder do cartel de Sinaloa, em 2012, para o seu recém-publicado livro "'El Chapo' Guzmán: el varón de la droga", foi ameaçado. "Praticamente uma sentença de morte se tivesse a ideia estúpida de escrever a sua história", contou.
Embora tenha sentido "pânico", López não desistiu. Conseguiu falar com os ex-agentes que perseguiram o traficante, membros do cartel de Sinaloa e até familiares "muito próximos" do mexicano de 58 anos, de origem humilde, e que acabou por construir um império.
Durante a edição do livro, que a estação Univisión vai adaptar este ano à televisão, os advogados do narcotraficante contactaram López e numa reunião expressaram o receio de que este livro "elevasse o perfil de seu cliente" com uma versão mais obscura do que a desejada pelo traficante.
"Hoje, pensando bem, posso assegurar que a necessidade imperiosa de construir a sua própria versão era, de alguma forma, fazer um contraditório", disse López.
Os outros "nãos"
O colombiano foi apenas um dos muitos contactos que os advogados ou amigos de "El Chapo" fizeram. Depois da sua recaptura em janeiro, começaram a aparecer vários artigos de jornalistas que afirmaram ter recebido ofertas para entrevistar ou contar a vida do traficante. O repórter da New Yorker, Patrick Radden Keefe, o diretor de pesquisas da Univisión, o colombiano Gerardo Reyes e o jornalista argentino Diego Fonseca foram alguns casos.
"Ele sempre falou sobre isso. Antes de mais nada, ele quer contar a versão dos fatos como eles realmente são e não como os colocam", admitiu recentemente Emma Coronel, esposa de "El Chapo" há oito anos.
Já em 2008, Guzmán tinha entrado em contacto com uma jornalista do jornal mexicano El Universal, a oferecer-se para uma entrevista. Mas o meio de comunicação não aceitou. E, embora a oportunidade de ter um encontro exclusivo com o traficante mais poderoso e perseguido da atualidade fosse tentadora, quase todos os jornalistas recusaram a proposta.
"Parecia difícil que o chefe ou os seus empregados quisessem que eu escrevesse com algum grau de precisão sobre o homem em questão, quando o mito é tão poderoso e tão aceite por todos", escreveu em janeiro Radden Keefe, que tinha sido contactado um mês antes da fuga de "El Chapo" para escrever as suas memórias.
As condições do narcotraficante não eram fáceis. "Cada uma das minhas viagens seria para um aeroporto a determinar, onde seria apanhado por um grupo de homens. Não podia levar o telemóvel nem o computador, o passaporte ficaria com eles e viajaria encapuzado para um destino incerto", contou o jornalista Diego Fonseca ao El País.
"El Chapo, um pequeno Darth Vader mexicano, confiava na nossa avidez e na nossa piedade para fazer da sua história a História" afirmou Fonseca, notando que através de "Sean Penn e da Rolling Stone, "El Chapo" deu a história de presente a Hollywood". Mas Kate del Castillo, que segundo a procuradoria mexicana foi convocada a depor no processo contra o traficante, pode ter a última palavra.
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