Ao ser questionada pelos jornalistas sobre a demora na transposição para o ordenamento jurídico nacional do estatuto do denunciante, Ana Gomes lembrou que apesar de esse estatuto ser “muito importante”, o Governo tem dois anos para o poder trabalhar.
Ana Gomes considerou, no entanto, que essa diretiva não é a que se aplica ao caso de Rui Pinto, mais sim uma outra que já está em vigor na legislação portuguesa, que é a 4.ª diretiva contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.
A também antiga embaixadora em Jacarta, referiu que essa diretiva diz, no artigo 38.º, que os Estados-membros ”têm a obrigação de proteger os indivíduos que dentro ou fora das organizações reportem crimes de branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo” e que, “sem dúvida, Rui Pinto, quer através do caso Football Leaks, quer através do Luanda Leaks, reportou crimes de branqueamento de capitais e o tipo de criminalidade subjacente, como crimes fiscais e outros”.
Ana Gomes defendeu que a diretiva do estatuto de denunciante obriga a que este pertença a uma organização, e que no caso de Rui Pinto a 4.ª diretiva alarga a obrigação de proteção de denunciante a todas as pessoas que reportem crimes de branqueamento de capitais e criminalidade conexa.
“Essa diretiva já está em vigor, é a que deve de ser utilizada pelos agentes da justiça em Portugal para olhar para o caso de Rui Pinto”, disse a antiga eurodeputada à margem de uma cerimónia comemorativa do quinto aniversário e inauguração da sede do Observatório das Crianças – 100 Violência”, que foi presidida pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e que contou a com a presença do secretário de Estado da Justiça e do presidente da associação, o magistrado Rui Pereira.
Ana Gomes disse que na cadeia onde está em prisão preventiva, Rui Pinto está sob proteção das autoridades, mas que “devia era estar livre, porque esta prisão preventiva é insuportável, é seletiva”.
“Não conheço mais nenhum caso de pessoa que esteja acusada de extorsão em forma tentada que tenha sido preso preventivamente. Mesmo até casos de extorsão em que houve condenações tiveram penas suspensas, portanto devia estar em liberdade, naturalmente com segurança, visto que foi da responsabilidade das autoridades portuguesas trazê-lo para Portugal, a aguardar julgamento e a colaborar com as autoridades e espero que seja isso que seja compreendido pelas autoridades judiciais portuguesas”, declarou.
Ana Gomes admitiu que os crimes que possam ser imputados a Rui Pinto, como, por exemplo, de acesso ilegal, “são crimes que têm de ser apreciados em julgamento”, mas o facto de Rui Pinto ser um ‘hacker’ não impede que seja também um denunciante com estatuto de denunciante e que deva de ser protegido.
“O que é completamente absurdo é a interpretação das autoridades portuguesas de que, porque os 'leaks' foram obtidos por acesso ilegal eventualmente, elas têm que o desconhecer, não. Nos termos do princípio da legalidade o Ministério Público (MP) desde que tenha notícia de um crime tem de investigar e as notícias dos 'leaks' são óbvias e retumbantes e o MP não o pode desconhecer”, sublinhou.
A antiga eurodeputada sublinhou que “não foram as autoridades que cometeram qualquer crime de obtenção de provas proibidas “ e que “não é isso que está em causa, pois o acesso ilegal é uma questão cuja responsabilidade se verá, mas uma coisa é certa: uma vez que há notícia no domínio público, não interessa como as provas foram conseguidas, é impossível as autoridades desconhecerem-nas e é por isso que existe a contradição das autoridades a dizerem que não e não fizeram nada relativamente ao Football Leaks, mas em relação ao Luanda Leaks não podem desconhecer porque inclusivamente estão a ser solicitadas pelas autoridades angolanas no quadro de cooperação bilateral”.
“Têm de olhar para elas e agir, é preciso que ajam e ajam rápido”, enfatizou.
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