“Primeiro, digo que estamos perante um gigante com pés de barro” (…). Tal como a acusação dos presentes autos, aparentemente gigante, pelo número de arguidos, os crimes imputados, os valores em questão, os supostos planos e conluios, tudo o que se revelou perante este tribunal é frágil, fraco, inconsistente ou não provado”, afirmou a advogada Luísa Calhaz, que representa três arguidas
Nas alegações finais do julgamento do Tribunal Judicial de Leiria que decorre na Exposalão, Batalha, a causídica considerou, por outro lado, que “não se pode sair deste julgamento sem que se faça um exercício de empatia” para com todas as pessoas que viveram “e continuam a viver” a tragédia de Pedrógão Grande, como as que estão a ser julgadas.
Luísa Calhaz desafiou os presentes a colocarem-se no lugar das populações e dos que tiveram “a responsabilidade de tomar decisões de proximidade para minorar os danos e tentar recuperar, a todos os títulos, o território e as pessoas”.
Citando palavras de testemunhas para caracterizar os incêndios e as suas consequências, a advogada apontou “a escassez de meios técnicos, a impreparação das Câmaras para enfrentar aquilo que ninguém esperava” e descreveu “as pessoas em estado de choque, traumatizadas, perdidas, confusas”, para referir que é “neste cenário de guerra” que surge o Revita, fundo de apoio às populações e à revitalização das áreas afetadas pelos incêndios ocorridos em junho de 2017.
“São convocados a agir e a decidir sobre a reconstrução das casas mais de uma dezena de membros, ocupando funções nos órgãos do Revita (…), cria-se o GORR [Gabinete Operacional de Recuperação e Reconstrução, na Câmara de Pedrógão Grande]”, prosseguiu.
A advogada salientou que se chega a este processo “com dois membros desses órgãos arguidos”, o ex-presidente da Câmara e o antigo vereador da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves e Bruno Gomes, respetivamente, “e os titulares de habitações queimadas, extraídas daquele todo e selecionados – não como o trigo e o joio – porque ousaram pedir apoio para reconstruir um património que é seu e que foi consumido pelo fogo”.
Luísa Calhaz citou ainda o vice-almirante Gouveia e Melo, oficial da Marinha que comandou um destacamento deste ramo das Forças Armadas que se deslocou para Pedrógão Grande, para auxiliar a população na sequência dos fogos - “é muito fácil julgar um ano depois” -, acrescentando “Muito menos será, certamente, fácil julgar quatro anos depois”.
Sobre a acusação às suas clientes, notou que esta teve origem numa queixa “desconforme à realidade alimentada por oportunismos mediáticos de alguns”, considerando haver uma “absoluta falta de base legal para condenar estas pessoas pelos crimes de burla qualificada e falsificação de documento”.
A advogada assinalou ainda que no diploma que criou o Fundo Revita não está previsto que este se destinava exclusivamente a casas de habitação permanente, frisando que “não foram excluídas da reconstrução ao abrigo daquele fundo as casas de habitação não permanente”.
Sustentando que as suas clientes “têm direito a ser compensadas do que perderam”, Luísa Calhaz frisou que o “pedido de reconstrução para as suas habitações era um exercício legítimo”.
O advogado José Luís Martins, que defende cinco arguidos, disse, por seu turno, que a prova trazida a julgamento foi “nenhuma”, assegurando, como já outros causídicos o tinham feito, que era “para reconstruir tudo”, como disse “até o próprio Presidente da República”.
“A mensagem era essa? Era. Havia dinheiro? Havia”, declarou para sublinhar que Pedrógão Grande “dispensa novas condenações” e, embora notando que este “não é um processo da comunicação social”, esta aqui “prestou um mau serviço”.
Já o advogado Abel Fernandes questionou a ausência como arguidos de “todos aqueles que geriram milhões”, referindo-se ao fundo Revita.
“Onde estão todos aqueles que geriram milhões e milhões de euros e que a ninguém parece ter sido assacada qualquer responsabilidade pela forma menos correta, menos objetiva e até menos transparente com que esses fundos acabaram por ser utilizados?”, perguntou Abel Fernandes, que defende três arguidos.
“Porquê sentar nas cadeiras dos arguidos apenas aqueles que aqui estão, aqueles que concorreram [aos apoios], que apresentaram as suas candidaturas, mais o senhor presidente [ex-presidente da Câmara] e o Bruno Gomes? E os outros?”, perguntou.
Abel Fernandes sustentou que os seus clientes estavam convictos de que a sua atuação era “perfeitamente lícita, legal e legítima, e nunca, em momento algum, até às parangonas dos jornais e da televisão, sequer questionaram” que a candidatura para a reconstrução “poderia padecer de alguma ilegalidade”.
“O Revita deveria ser o crivo para eventuais ilegalidades”, sustentou.
O julgamento das alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam no incêndio de junho de 2017 no concelho de Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastrou a municípios vizinhos começou em 26 de outubro de 2020.
Em julgamento estão 28 arguidos, sendo que Valdemar Alves e Bruno Gomes estão pronunciados por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada. O Ministério Público pediu prisão efetiva para estes antigos autarcas e pena suspensa para os restantes 26 arguidos.
Este incêndio provocou 66 mortos e 253 feridos, tendo destruído cerca de 500 casas, 261 das quais habitações permanentes, e 50 empresas.
As alegações finais prosseguem esta tarde.
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