Recém-licenciado em Psicologia, Christian chegou a Portugal depois do seu pai, um advogado venezuelano que estava cá de férias, pedir asilo como refugiado quando estala nova crise política em Caracas.
“O meu pai veio de férias a Portugal quando se deu uma crise política em Caracas… houve uma mudança na constituição do país. A situação política ficou muito má e a economia afundou… foi um caos”, recorda Christian Useche, em conversa com o SAPO24.
O pai de Christian chegou a Portugal em 2016, por essa altura, a situação política e económica na Venezuela complicou-se.
Em 2015, depois de perder o controlo no parlamento, Maduro convoca uma Assembleia Nacional Constituinte para “esvaziar” o poder legislativo, e em 2017, anuncia uma renovação total do Estado com a redação de uma nova Constituição. A Venezuela viu, mais uma vez, uma onda de protestos violentos tomar conta do país. Mais de 120 pessoas morreram e 2 mil ficaram feridas.
“Eu morava numa cidade próxima de Caracas, em Lara, e o grande problema era a falta de água. O problema mantém-se, mas, naquela altura, foi mau”, recorda Christian. “Faltava comida, água e eletricidade. O dólar passou a ser a moeda utilizada, por causa do afundanço do bolívar e tudo ficou muito caro”, descreve o jovem agora com 22 anos.
“Acabei o ensino médio [secundário] na Venezuela, o meu pai já cá estava há quase dois anos e quando cheguei a Portugal, fui parar a Aveiro. O meu pai está cá com o estatuto de refugiado e eu fui integrado no seu processo”, explica Christian.
Com o secundário concluído, Christian tentou o acesso ao ensino superior. “Tentei primeiro a Universidade de Aveiro, mas eles disseram-me que não tinha os requisitos para entrar no curso”. O jovem venezuelano queria estudar Psicologia, mas as disciplinas que fez na Venezuela não preenchiam os requisitos. “Foi-me dito que não tinha os conteúdos necessários para frequentar o curso de Psicologia”, em Aveiro, “onde tem uma grande comunidade venezuelana”, refere o jovem atualmente a residir em Coimbra.
“Procurei com o meu pai outras universidades e foi quando vim parar a Coimbra, e aí descobri que o apoio cá era muito maior do que em Aveiro”, compara Christian antes de começar a descrever os primeiros passos na Universidade de Coimbra (UC).
Nativo da língua espanhola, Christian confessa que “ao início não gostava da língua portuguesa”, mas depois de aprender a falar acabou por descobrir a sua beleza.
“Primeiro colocaram-me em aulas de português. Fiz um curso anual de A2, e depois outro intensivo de B1. Gosto muito de falar português”, reconhece agora o jovem venezuelano.
Depois de aprender a língua, iniciou o ano zero, onde teve de frequentar as disciplinas que lhe faltavam do secundário e que eram precisas para frequentar uma licenciatura em Psicologia. “O ano zero serviu também para me ambientar à Universidade. Eles pagaram tudo, por causa do estatuto de refugiado, não paguei propinas”, disse, aliviado.
Ao SAPO24, a Universidade de Coimbra declara que tudo isso é possível através de um “Fundo de Apoio a Refugiados (FAR)”, criado “com financiamento próprio”, e que permite prestar um apoio mais alargado, nomeadamente, apoio financeiro no âmbito do pagamento das propinas e taxas académicas relativas à frequência de cursos conferentes de grau”, disse, em resposta por e-mail. “O FAR assegura também o pagamento dos cursos de língua portuguesa destes estudantes”, acrescenta a instituição.
Nos últimos dez anos, a UC apoiou “cerca de 90 estudantes refugiados através do FAR”. A mais antiga instituição de ensino superior em Portugal diz ter protocolos de cooperação com o Conselho Português para os Refugiados (CPR); o Alto Comissariado para as Migrações (ACM); a Plataforma de Apoio a Refugiados (PAR); com o Serviço Jesuíta aos Refugiados (SJR); com a Plataforma Global de Emergência no Ensino Superior (antiga Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios); câmaras municipais e outras entidades que contribuem para o sucesso do programa que mereceu o reconhecimento das Nações Unidas.
Em julho, a Universidade de Coimbra foi apontada pela ONU como “exemplo no acolhimento e integração de estudantes refugiados”.
No ano letivo, que terminou neste verão, a instituição recebeu “78 estudantes com estatuto de estudante em situação de emergência por razões humanitárias, o número mais alto dos últimos 10 anos”, sublinha.
De acordo com os dados fornecidos pela UC, estavam inscritos este ano, estudantes com o estatuto de refugiado de 16 nacionalidades, sendo a “maioria proveniente da Ucrânia”.
Christian Useche é um desses jovens refugiados que concluiu o curso de Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e diz que sempre se sentiu amparado, quer pelos professores - que conheciam a sua situação de refugiado -, como pelos serviços da faculdade. “Sempre me apoiaram”, confirma.
Na sua turma, o jovem refugiado da Venezuela recorda-se que tinha dois colegas na mesma situação que ele, “um do Irão" e outro de um país africano, disse.
Atualmente, Christian Useche vive em Coimbra com o pai num apartamento pequeno e que trabalha na restauração. A sua mãe ainda está na Venezuela e espera um dia concretizar o sonho de voltar a ter a família reunida.
Por agora, o jovem prepara-se para prosseguir os estudos e fazer uma especialização em sexologia.
(artigo corrigido às 18:38)
Comentários