Diário de um pai em casa. Dia 42


Hoje, 25 de abril, celebra-se o dia da Liberdade. O 46.º aniversário de uma revolução de cravos feita ao som de música que mudou o curso da história de Portugal. Hoje, tal como em alguns dias desta caminhada, estou no escritório do meu pai, entalado entre os jardins da Gulbenkian e o El Corte Inglês, que permanece de portas fechadas. Hoje, mais uma vez vi o pato que me tem acompanhado nesta travessia de isolamentos. Casa-escritório-casa.

O pato que me persegue teima em instalar-se colado à porta do local onde ponho o trabalho em dia. Cheira-lhe a comida fácil, ou não estivesse diante um prédio de assinatura arquitetónica que tem como cartão de visita uma hamburgueria gourmet, sita no piso térreo.

Ele, o pato, tem andado por aqui. Livre. Em liberdade. Vindo dos pequenos lagos do jardim circundante. Foi adotado como bicho de estimação pelos motoristas da Uber Eats e Glovo. Enquanto aguardam de plantão os take-aways, alimentam-no. Noto, dia para dia, que está mais gordo. Ou se calhar, é outro pato, embora as penas sejam as mesmas. É que já vi, por aqui também, um grupo de três patos. Igualmente gordos.

Hoje, longe de saber do sumo do discurso do deputado João Cotrim Figueiredo, Iniciativa Liberal, que dirigiu uma carta a um filho, que completa 18 anos, perguntei a cada um dos meus filhos se sabiam que o real significado do 25 de abril.

Fui em escala ascendente. Do mais novo, de 6 anos, ao mais velho, com 15.

O António, que estava a construir um puzzle sobre a Europa, acertou no dia de semana. Sábado. Ele que, raramente, sabe o andamento do calendário. À pergunta da razão da data assinalada, encolheu, naturalmente, os ombros. No entanto, aproveitou o palco e antecipou outra celebração, quiçá, mais próxima da sua realidade. Domingo, 3 de maio, será Dia da Mãe, informou-me.

Filho seguinte. Teresa. Romanceou, como é seu timbre. Recordou o que uma professora lhe tinha contado. Que tinha sido o dia em que uma menina tinha colocado uma flor na espingarda de um soldado. A descrição é acompanhada com um gesto fiel a um cartaz sobejamente conhecido. Disse que passámos a viver de outra forma. Em liberdade. Da explicação recebida, só não percebeu porque é que algumas pessoas tiveram que sair do país, fugindo de outras pessoas que lhes queriam bater. Não entendeu essa parte, porque não tinha havido guerra, deixou escapar.

A Francisca, disse-me que tinha dado na aula de história no ano passado e não se recordava bem dos acontecimentos que tinham dado origem à democracia. Por fim, o José Maria, atirou com a causa de tudo. Citou um nome – Salazar – mas pouco mais sabe. Ou quis dizer. Preferiu procurar a resposta na resposta da irmã. “O que é a Francisca disse”, perguntou.

Já no escritório, isolado mas sem ter pensamentos confinados, enviei um link para o WhatsApp com o nome “Família”. Enviei o live de Bruno Nogueira e de Vhils, no irrepetível “Como é que o Bicho Mexe”, que se apresenta todos os dias no Instagram criado pelo humorista.

Alexandre Farto a esculpir a cara de Zeca Afonso numa parede, ao som de “Grândola”, deverá ser a melhor mensagem que podem receber. Ou pelo menos, a melhor forma de os seduzir a procurar algo sobre o tema que devemos, hoje mais que nunca, ter presente em nós.

Eu, que bebi os valores de abril, e outros, pela voz do meu pai, dou um toque de inovação nesta transmissão em cadeia para que a mesma mensagem chegue aos meus filhos. Um mensageiro que lhes diz muito mais que discursos fechados para uma elite.