Uma oliveira com “dois mil anos”, plantada numa propriedade de 60 hectares, 21 dos quais reservados à vinicultura, onde vinhas velhas com mais de 60 anos coexistem com novas, entre “Silves e Lagoa”. Um terroir na posse da mesma família “há mais de 300 anos”, onde, nos últimos cinco, pela mão da quinta geração, foi erguida “uma start-up” do vinho “com ligação longínqua no espaço e tempo a este espaço” e criada uma marca — Morgado do Quintão.
Este, o postal ilustrado e criado por esta nova geração ligada à terra, cuja ideia, no ano passado, à razão de uma “festa de vindimas, como todas as quintas fazem”, de convidarem “duas bandas”, responderam “300 pessoas” e deu origem à semente daquilo que hoje nasce.
O CAMP 22, apresenta-se, sumariamente, como uma festa de fim de vindima e início de um novo ciclo, mas na génese é muito mais que isso. É um momento onde se reúnem durante três dias (7, 8 e 9 de outubro) músicos, criadores e pensadores, uma dicotomia viva entre várias culturas, a do vinho e de múltiplas manifestações de arte.
Quem o garante é Filipe Caldas Vasconcellos, o rosto da quinta geração, agricultou à força, juntamente com a irmã Teresa, herdeiros da propriedade datada de 1810, fundada pelo Conde de Silves, recebida “há cinco anos” por via da morte da mãe, artista plástica cuja inspiração e obra está enraizada e perpetuada naqueles solos algarvios.
“De uma ideia de amigos passa para um encontro de nomes da música portuguesa a que se juntam pessoas a falar de mobilidade, poesia, astrologia, temas que nos interessam e obrigam a pensar e refletir”, descreve em conversa com o SAPO24.
São três dias de “um não-festival”, cataloga. “Não queremos milhares de pessoas a dançar e a olhar para um palco. O espírito é um encontro intimista (a lotação máxima é de 500 pessoas) entre músicos e oradores que nos façam despertar para refletir sobre temas da atualidade e outros que nos interessam enquanto projeto, tudo numa vinha algarvia”, acrescenta.
Carminho, a abrir, Bruno Pernadas, pelo meio e Mário Laginha, a encerrar, são cabeças de cartaz. Três pesos-pesados do mundo da música cujas performances são acompanhadas por um lado B cuja importância se equipara ao lado A, ao dividirem-se, cada qual, num momento de interação, mais intimista, com o público.
“Os artistas, chegam, falam e tocam”, resume. “Pedimos aos músicos para falar sobre quem são”, sublinha. Exemplifica: “a Carminho estará à conversa com 20 crianças de uma escola local”, revela. Laginha, “fará uma talk e dará uma aula de jazz aos alunos do curso de jazz da escola de música da Bemposta (Portimão)”, acrescenta. A Pernadas está reservada uma conversa à volta da fogueira.
Perfumes, astros, fotografia, ambiente, poesia, cerâmica e provas de vinho
A vinha e o vinho são fonte de uma multiplicidade de culturas vivas a explorar no Morgado do Quintão. Para além da música, muitas outras expressões de arte entram nesta intersecção e se manifestam ao longo de três dias de CAMP 22. As talks assumem uma dessas formas.
Ou através da fotografia, pelas imagens da fotógrafa Isabel Saldanha, ou da poesia, pela voz de Raquel Marinho e por via do documentário “Tilt”, uma antestreia de Teresa Júdice da Costa.
A antropóloga Maria Manuel Restivo falará sobre arte popular, a arquiteta e urbanista Rita Castel' Branco acrescenta a mobilidade à conversa e a fundadora do Movimento Bloom (ONG ambiental) Mónica Franco planta conhecimento sobre preservação e conservação do meio ambiente.
Pedro Teixeira, fundador da Safejourney, Sociedade Portuguesa de Aplicação Clínica de Enteógenos, abre o livro sobre o potencial terapêutico das substâncias psicadélicas, os astros ficam na mão do astrólogo Duarte Miranda Mendes e o nariz entregue a Lourenço Lucena, sensorialista.
Para além das conversas, o ciclo de workshops intitulado “Gentes da Nossa Terra”, desenvolvido em parceria com o Loulé Design LAB, laboratório de criação, investigação e experimentação que apoia projetos na área do design aplicado à cultura local, mostra o que se faz ao nível a cerâmica, madeiras recicladas e ecologia.
As provas de vinho não faltarão e estarão entregues a Joana Maçanita, enóloga do Morgado do Quintão e a Filipe Caldas de Vasconcellos.
“Pretendemos criar um diálogo e obrigar a uma reflexão mais humanista”, adianta Filipe Vasconcellos, abrindo o pano do que se vai passar até domingo. “Tem a ver com o nosso projeto, a criação artística interessa-nos muito, mas a reflexão de ideias ainda mais. Procuramos levar um pouco de cada coisa de cada um dos oradores e que todos saiamos mais ricos daqui”, frisa.
“Temos uma oliveira com dois mil anos. À volta dessa oliveira costumamos reunir pessoas e vamos reuni-as outra vez. Queremos que a oliveira continue a assistir a estes acontecimentos, a estas conversas”, finaliza.
Comentários